segunda-feira, 19 de abril de 2010

O significado do termo ALUNO e EX-ALUNO

Etimologias

in: http://www.letras.ufrj.br/proaera/cvhc.htm (Textos em Blocos)

Poucos conhecimentos são mais sedutores do que o da etimologia. Todos gostamos muito de saber de onde vêm as palavras que usamos.

Do tupi, do grego, do latim ou do árabe, essas origens nos encantam e nos proporcionam uma sensação indescritível de participarmos de um enredo em cujo fim muitos julgam encontrar-se.

As etimologias têm servido, portanto, para propiciar essa inserção na história através de uma língua que nos une às nossas origens, às origens que desejamos. Esse primado devolve-nos a Idade Média, a Antigüidade, mas também a delícia que é cortarmos transversalmente essa linhagem européia, com nossos étimos africanos e autóctones.

Tudo isso a etimologia tem nos dado, e mais, ela ainda oferece algumas ajudas nada desprezíveis nos apuros ortográficos em quase todas as línguas européias. Apesar de tantos benefícios que o conhecimento das raízes dos vocábulos é capaz de oferecer, ainda se quer extrair dele o que ele simplesmente não pode dar.

Em um contexto em que já não se faz mais necessário essa inserção, dada mais pela mídia do que pela partilha de um passado comum, prolonga-se o primeiro atentado ao uso da etimologia.

Cada vez com mais freqüência ouvimos que tal palavra vernacular tem - ou não tem - tal ou qual significado porque em grego significava isso ou aquilo, ou isso ou aquilo em latim. Não é preciso dizer o quanto é errado isso, mas o problema é que continuamos ouvindo esse tipo de coisa em ambientes cada vez mais elevados.

Dessas etimologias supremas, capazes de imperar sobre a semântica, destacam-se as que se relacionam com o grego. Parece irônico, pois é justo aí que nos distanciamos mais do étimo. Isso porque não herdamos nenhuma palavra diretamente do grego. As palavras passaram ou pelo latim ou pela necessidade de neologismos que a tecnologia e a ciência nos impuseram.

Assim chegou-nos a palavra 'gramática', do latim 'grammatica', e não do grego 'grammatiké (tékhne)', com o qual o português nunca teve o menor contato. Pela outra via, chegaram-nos palavras como 'telefone', que -
escusa-se dizer - não fazia parte da realidade da Antigüidade ou da Idade Média.

Claro que 'grammatica' foi uma palavra importada do grego. Claro! Mas está lá, na língua latina - e, por conseqüência, no dicionário latino. Desse uso e dessa apropriação completa redundou a nossa 'gramática', e não de uma outra idéia e de um outro uso que os gregos, em sua insondável pluralidade étnica, atribuíam à 'grammatiké (tékhne)'.

O grande Ferreira Gullar teria dito certa vez que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Pois adapto e digo: a etimologia não foi feita para ensinar semântica a ninguém.

Resta agora apenas dizer que há uma etimologia que precisa ser feita, uma que não -hesito em chamar de 'história dos étimos', e que procure auxiliar o historiador da língua a localizar o texto e o contexto de um momento de um determinado uso de um determinado étimo. Alguns dicionários etimológicos já deram um grande passo nessa direção, registrando o que consideraram momentos-chave dessas histórias. Mas muita coisa ficou por fazer, e é isso mesmo que acho que devem fazer os verdadeiros etimólogos, que deveriam
também ser autênticos historiadores dos conceitos, e não normativistas da semântica usual, literária e sobretudo filosófica.

"Em estado de dicionário" ou ainda o "imexível"

1

Aurélio são e Houaiss,
Caldas Aulete e Morais
para todos os mortais
e de todos nós, os pais.

Está no dicionário o verbo 'dicionarizar'. A definição é clara e quase unânime: "incluir em dicionário". Esse verbo, no entanto, só tem como sujeito real o lexicógrafo, que, ainda segundo o dicionário, é quem elabora
dicionários.
Desse profissional, ainda que trabalhe em equipe, não deveríamos exigir a perfeição. Mas sempre esperamos por isso.
Para a maioria das pessoas, uma palavra dicionarizada é o mesmo que uma palavra existente.
Lá está o dicionário, onde encontramos, a ortoépia, o significado preciso, a regência correta, a etimologia, sinônimos, antônimos, além de expressões idiomáticas e exemplos de emprego.
Essa massa bruta de palavras e folhas sempre ameaça nosso saber, insinuando nossa ignorância.
Do verbo dicionarizar, veio uma palavra que assusta todos os usuários do registro culto da língua: o particípio "dicionarizado".
Que esse seja, então, se me permite minha generosa leitora, nosso assunto de hoje.
Sob esse particípio repousam todas as palavras que estão ali, no dicionário. Todas as palavras que ali descansam à espera de quem as tome para uso. Isso é maravilhoso, é certo. Lembra-nos as notas musicais que repousam em nossa memória auditiva, e que, dela saindo, podem gerar as mais belas sinfonias e os mais desastrosos ruídos. Assim também a palavra dicionarizada.
"Dicionarizado", contudo, também esconde uma ameaça repressora, que não se pode negligenciar. Esse particípio abriga, além de suas possibilidades de desdobramento e uso, o símbolo máximo do poder lexicográfico, o cetro real da lexicomania pseudo-erudita, a desrazão esdrúxula de considerar-se que um dicionário pode registrar ou oferecer todas as possibilidades lexicais de uma língua.
Um termo não dicionarizado só pode ser usado em itálico, dizia há não muito tempo uma regra natimorta da escrita formal.
Mas então uma palavra não é digna de letras redondas senão dicionarizada?
Os problemas acerca desse tema já foram debatidos por grandes filólogos à época que certa figura pública teria malfadadamente dito a palavra não-dicionarizada "imexível".
Lembro-me do saudoso Antonio Houaiss oferecer lições de morfologia lingüística a vários meios de comunicação, pelos quais bradava que nada havia de errado com a expressão ministerial. Em vão! O dicionário falou mais alto do que o organizador do que viria a ser o maior dicionário contemporâneo da Língua Portuguêsa. Imexível não constava do dicionário.
Agora consta: está no Houaiss. E nem assim reabilita-se o ministro.Um dicionário cresce. Cresce de edição para edição, assimilando neologismos, e cumprindo a tarefa de discernir entre efemeridades e ingressos permanentes. Difícil tarefa, sem dúvida!
Não poderia haver, claro!, um dicionário completo. Uma língua tem falantes, os falantes incormporam vocábulos de outras línguas, inventam algumas palavras, criam códigos específicos, que ou sucumbem ou tornam-se mais gerais.
Tudo isso impediria e restringiria o alcance do dicionário, mas ainda não é a sua única limitação.
Pode-se citar pelo menos mais duas: a potencialidade derivacional das raízes e as variações no tempo e no espaço da regência e do significado de uma mesma palavra.
Essas dificuldades trazem-me a alegria de saber-me em outra profissão que não a de lexicógrafo, mas estão muito longe de serem as únicas. Antes, são algumas das muitas.
Por outro lado, essas dificuldades do ofício do lexicógrafo dependem de um fator fundamental: que a língua tenha falantes, e que esses falantes estejam vivos (e criativos). Esse não é, como sabemos, o caso do grego
(antigo) e do latim, assim como o de muitas outras línguas. Por isso, querida leitora, corri ao nosso título coloquei-lhe um número 'um', para que na próxima coluna conversemos sobre esses dicionários de nossas amadas línguas mortas. Até lá.

"Em estado de dicionário" 2

"Parei". (Torquato Neto)

Muitos ainda se desgostam com o termo "línguas mortas". Concordo que o termo pode entrar meio torto ouvido adentro, e pode mesmo soar triste quando pensamos nas línguas mortas prematuramente pela ignorância e pela soberba de um ocidente pretensioso, que teima em permitir que se dizimem os povos
indígenas.

Mas eu gostaria de ver aqui, nesse cantinho nosso de tanta intimidade, a expressão "língua morta" despojar-se do manto da lamentação e revestir-se primeiramente de um colete técnico, que a faria significar "língua sem falantes nativos". Depois, ainda peço, querida leitora, que você me ajude a completar os trajes do termo, colocando-lhe a anágua da antigüidade e, por fim, a gala de seu sentido de "idioma clássico".

As línguas com falantes vivos, nossas línguas, não se permitem dicionarizar por completo, isso, como tentei expressar na quinzena passada, não é possível para uma língua que a cada dia absorve um sem-números de vocábulos e que regurgita diariamente outros muitos. Nenhum dicionário pode, é certo, acompanhá-las por completo. Sua vida, que é a vida de seus falantes, não o permite.

Mas o que dizer de uma língua que está parada no tempo. Sim, para os filólogos e beletristas, a morte da língua é uma parada definitiva. Uma parada no tempo e no espaço. Uma língua morta pode continuar em outra língua, como um pai no filho. Mas não em si mesma.

Daí nasce a outra língua, a língua dos filólogos, a língua dos historiadores do idioma, dos arqueólogos da gramática e dos paleontólogos do léxico. Dessa língua tão sui generis - meio 'natural', meio invenção - brota a língua referencial do passado.

Ao contrário dos que se escandalizam com o nome 'língua morta', comprazo-me com ele. Essa morte - ela mesma tão antiga - dessas línguas dá-lhe toda a peculiaridade que as faz fascinantes.

Passeando pelo sítio arqueológico desses idiomas do passado, descobrimos os referenciais identitários que nossa cultura escolheu. As narrativas, os desabafos, as leis e toda a sorte de registros que os ancestrais de nossa cultura ali deixaram revelam-se àqueles que passaram pelos percalços do desvelamento de uma linguagem que se aprende solitariamente e quase em silêncio, sem a ajuda de seus falantes.

Sem ajuda nem guia, é certo, mas não sem lanternas que iluminam por vezes com notável precisão esses sinuosos caminhos da compreensão do passado. Dentre essas lanternas há uma especialmente peculiar, que é a figura do dicionário.

Um dicionário - ou um léxico, aqui não entrarei na distinção entre dois tipos de obras - de grego ou de latim, para citar as duas mais famosas línguas da Antiguidade ocidental, tão melhor é quanto menos se compromete
com a precisão do significado isolado e mais com a do significado contextualizado. Um bom dicionário dessas línguas, portanto, é totalmente voltado para as referências e usos, esforçando-se ao máximo para oferecer ao consulente o maior número de ocorrências significativas.

Essa é uma das particularidades dessas obras específicas, mas há outras. E outra delas é precisamente a possibilidade que só esses dicionários de línguas mortas têm de oferecer um verdadeiro thesaurus completo do léxico da língua em questão. Podemos dizer que somente esses dicionários podem ser completos, mesmo com os termos que só foram encontrados uma única vez, os 'hapax legomena'.

Eles podem ser completos, é verdade; coisa que os dicionários de língua viva jamais poderiam ser; contudo, não o são.

As razões disso são que ainda estamos longe de conhecer tudo o que tantos séculos de uso do latim e do grego nos deixaram, e que não podemos arbitrar consensualmente sobre o momento da morte do grego ou do latim. Sobre esse último aspecto, querida leitora, despeço-me recomendando, para o seu refinado deleite, a divertida página preparada pelo Vaticano (http://www.vatican.va/roman_curia/institutions_connected/latinitas/documents/rc_latinitas_20040601_lexicon_it.html), que, felizmente, ainda sopra ameno espírito sobre uma língua que as crianças não falam mais.

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