terça-feira, 16 de novembro de 2010
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Ainda sobre o dia Internacional do Livro
@ Livros
por eduardo macedo de oliveiraNas estantes repousam pacientemente à espera de um olhar curioso, um manuseio carinhoso, um folhear apaixonado, quem sabe, de uma lembrança fugaz e repentina. Juntos, permanecem elegantes e austeros; solitários, ao contrário, encontram-se adormecidos e tristes.
Às vezes didáticos, antológicos, românticos, dramáticos ou permeados pela ficção, sempre dialogam silenciosamente, entregues aos olhares ou ao suave deslizar das digitais nas suas páginas em braile.
Ao explorá-los embarcamos para terras longínquas, voos misteriosos e caminhos desconhecidos. Elucidam-nos e revelam-nos inéditos saberes e mistérios. Sentimo-nos plurais e livres nas decolagens intermináveis da imaginação e aterrizamos nas profundezas inexoráveis do conhecimento e da emoção.
Tornamo-nos companheiros, cúmplices, confidentes e admiradores. Habitam nossos corações e mentes, segredos e temores. Juntos, desvendamos o presente, traduzimos o passado e espalhamos o futuro.
Enfim, encontramos a luz através das palavras, o universo através da leitura, a vida através dos livros. Que sejam eternos!
outono, 2010
Às vezes didáticos, antológicos, românticos, dramáticos ou permeados pela ficção, sempre dialogam silenciosamente, entregues aos olhares ou ao suave deslizar das digitais nas suas páginas em braile.
Ao explorá-los embarcamos para terras longínquas, voos misteriosos e caminhos desconhecidos. Elucidam-nos e revelam-nos inéditos saberes e mistérios. Sentimo-nos plurais e livres nas decolagens intermináveis da imaginação e aterrizamos nas profundezas inexoráveis do conhecimento e da emoção.
Tornamo-nos companheiros, cúmplices, confidentes e admiradores. Habitam nossos corações e mentes, segredos e temores. Juntos, desvendamos o presente, traduzimos o passado e espalhamos o futuro.
Enfim, encontramos a luz através das palavras, o universo através da leitura, a vida através dos livros. Que sejam eternos!
outono, 2010
Dia Mundial do Livro
Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais - 23 de abril
Ao celebrar este Dia mundialmente, a UNESCO procura promover a leitura, a publicação de livros e a proteção da propriedade intelectual por meio dos direitos autorais (copyright).
No dia 23 de abril de 1616 faleceram Cervantes, Shakespeare e o Inca Garcilaso de la Vega. Na mesma data nasceram - ou morreram - outros escritores eminentes como Maurice Druon, K. Laxness, Vladimir Nabokov, Josep Pla ou Manuel Mejía Vallejo.
Por este motivo, a data tão simbólica para a literatura universal foi escolhida pela Conferência Geral da UNESCO para render uma homenagem mundial ao livro e a seus autores, e estimular a todos, em particular aos mais jovens, a descobrir o prazer da leitura e respeitar a valiosa contribuição dos criadores ao progresso social e à cultura. A idéia desta celebração partiu da Catalunha (Espanha), onde neste dia é tradição dar uma rosa ao comprador de um livro.
O êxito desta iniciativa depende fundamentalmente do apoio que recebe dos meios interessados (autores, editores, livreiros, educadores e bibliotecários, entidades públicas e privadas, organizações não-governamentais e meios de comunicação), mobilizados em cada país pelas comissões nacionais, por redes especializadas, associações, centros e clubes UNESCO, redes de escolas e bibliotecas associadas e outros que se sentirem motivados para participar desta festa mundial.
Para informações adicionais sobre o Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais, por favor, visite:
Site oficial:
- Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais (link externo em inglês, francês e espanhol)
Fonte em Multimídia:
Veja mais em:http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php-URL_ID=5125&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
segunda-feira, 19 de abril de 2010
O significado do termo ALUNO e EX-ALUNO
Etimologias
in: http://www.letras.ufrj.br/ proaera/cvhc.htm (Textos em Blocos)
Poucos conhecimentos são mais sedutores do que o da etimologia. Todos gostamos muito de saber de onde vêm as palavras que usamos.
Do tupi, do grego, do latim ou do árabe, essas origens nos encantam e nos proporcionam uma sensação indescritível de participarmos de um enredo em cujo fim muitos julgam encontrar-se.
As etimologias têm servido, portanto, para propiciar essa inserção na história através de uma língua que nos une às nossas origens, às origens que desejamos. Esse primado devolve-nos a Idade Média, a Antigüidade, mas também a delícia que é cortarmos transversalmente essa linhagem européia, com nossos étimos africanos e autóctones.
Tudo isso a etimologia tem nos dado, e mais, ela ainda oferece algumas ajudas nada desprezíveis nos apuros ortográficos em quase todas as línguas européias. Apesar de tantos benefícios que o conhecimento das raízes dos vocábulos é capaz de oferecer, ainda se quer extrair dele o que ele simplesmente não pode dar.
Em um contexto em que já não se faz mais necessário essa inserção, dada mais pela mídia do que pela partilha de um passado comum, prolonga-se o primeiro atentado ao uso da etimologia.
Cada vez com mais freqüência ouvimos que tal palavra vernacular tem - ou não tem - tal ou qual significado porque em grego significava isso ou aquilo, ou isso ou aquilo em latim. Não é preciso dizer o quanto é errado isso, mas o problema é que continuamos ouvindo esse tipo de coisa em ambientes cada vez mais elevados.
Dessas etimologias supremas, capazes de imperar sobre a semântica, destacam-se as que se relacionam com o grego. Parece irônico, pois é justo aí que nos distanciamos mais do étimo. Isso porque não herdamos nenhuma palavra diretamente do grego. As palavras passaram ou pelo latim ou pela necessidade de neologismos que a tecnologia e a ciência nos impuseram.
Assim chegou-nos a palavra 'gramática', do latim 'grammatica', e não do grego 'grammatiké (tékhne)', com o qual o português nunca teve o menor contato. Pela outra via, chegaram-nos palavras como 'telefone', que -
escusa-se dizer - não fazia parte da realidade da Antigüidade ou da Idade Média.
Claro que 'grammatica' foi uma palavra importada do grego. Claro! Mas está lá, na língua latina - e, por conseqüência, no dicionário latino. Desse uso e dessa apropriação completa redundou a nossa 'gramática', e não de uma outra idéia e de um outro uso que os gregos, em sua insondável pluralidade étnica, atribuíam à 'grammatiké (tékhne)'.
O grande Ferreira Gullar teria dito certa vez que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Pois adapto e digo: a etimologia não foi feita para ensinar semântica a ninguém.
Resta agora apenas dizer que há uma etimologia que precisa ser feita, uma que não -hesito em chamar de 'história dos étimos', e que procure auxiliar o historiador da língua a localizar o texto e o contexto de um momento de um determinado uso de um determinado étimo. Alguns dicionários etimológicos já deram um grande passo nessa direção, registrando o que consideraram momentos-chave dessas histórias. Mas muita coisa ficou por fazer, e é isso mesmo que acho que devem fazer os verdadeiros etimólogos, que deveriam
também ser autênticos historiadores dos conceitos, e não normativistas da semântica usual, literária e sobretudo filosófica.
"Em estado de dicionário" ou ainda o "imexível"
1
Aurélio são e Houaiss,
Caldas Aulete e Morais
para todos os mortais
e de todos nós, os pais.
Está no dicionário o verbo 'dicionarizar'. A definição é clara e quase unânime: "incluir em dicionário". Esse verbo, no entanto, só tem como sujeito real o lexicógrafo, que, ainda segundo o dicionário, é quem elabora
dicionários.
Desse profissional, ainda que trabalhe em equipe, não deveríamos exigir a perfeição. Mas sempre esperamos por isso.
Para a maioria das pessoas, uma palavra dicionarizada é o mesmo que uma palavra existente.
Lá está o dicionário, onde encontramos, a ortoépia, o significado preciso, a regência correta, a etimologia, sinônimos, antônimos, além de expressões idiomáticas e exemplos de emprego.
Essa massa bruta de palavras e folhas sempre ameaça nosso saber, insinuando nossa ignorância.
Do verbo dicionarizar, veio uma palavra que assusta todos os usuários do registro culto da língua: o particípio "dicionarizado".
Que esse seja, então, se me permite minha generosa leitora, nosso assunto de hoje.
Sob esse particípio repousam todas as palavras que estão ali, no dicionário. Todas as palavras que ali descansam à espera de quem as tome para uso. Isso é maravilhoso, é certo. Lembra-nos as notas musicais que repousam em nossa memória auditiva, e que, dela saindo, podem gerar as mais belas sinfonias e os mais desastrosos ruídos. Assim também a palavra dicionarizada.
"Dicionarizado", contudo, também esconde uma ameaça repressora, que não se pode negligenciar. Esse particípio abriga, além de suas possibilidades de desdobramento e uso, o símbolo máximo do poder lexicográfico, o cetro real da lexicomania pseudo-erudita, a desrazão esdrúxula de considerar-se que um dicionário pode registrar ou oferecer todas as possibilidades lexicais de uma língua.
Um termo não dicionarizado só pode ser usado em itálico, dizia há não muito tempo uma regra natimorta da escrita formal.
Mas então uma palavra não é digna de letras redondas senão dicionarizada?
Os problemas acerca desse tema já foram debatidos por grandes filólogos à época que certa figura pública teria malfadadamente dito a palavra não-dicionarizada "imexível".
Lembro-me do saudoso Antonio Houaiss oferecer lições de morfologia lingüística a vários meios de comunicação, pelos quais bradava que nada havia de errado com a expressão ministerial. Em vão! O dicionário falou mais alto do que o organizador do que viria a ser o maior dicionário contemporâneo da Língua Portuguêsa. Imexível não constava do dicionário.
Agora consta: está no Houaiss. E nem assim reabilita-se o ministro.Um dicionário cresce. Cresce de edição para edição, assimilando neologismos, e cumprindo a tarefa de discernir entre efemeridades e ingressos permanentes. Difícil tarefa, sem dúvida!
Não poderia haver, claro!, um dicionário completo. Uma língua tem falantes, os falantes incormporam vocábulos de outras línguas, inventam algumas palavras, criam códigos específicos, que ou sucumbem ou tornam-se mais gerais.
Tudo isso impediria e restringiria o alcance do dicionário, mas ainda não é a sua única limitação.
Pode-se citar pelo menos mais duas: a potencialidade derivacional das raízes e as variações no tempo e no espaço da regência e do significado de uma mesma palavra.
Essas dificuldades trazem-me a alegria de saber-me em outra profissão que não a de lexicógrafo, mas estão muito longe de serem as únicas. Antes, são algumas das muitas.
Por outro lado, essas dificuldades do ofício do lexicógrafo dependem de um fator fundamental: que a língua tenha falantes, e que esses falantes estejam vivos (e criativos). Esse não é, como sabemos, o caso do grego
(antigo) e do latim, assim como o de muitas outras línguas. Por isso, querida leitora, corri ao nosso título coloquei-lhe um número 'um', para que na próxima coluna conversemos sobre esses dicionários de nossas amadas línguas mortas. Até lá.
"Em estado de dicionário" 2
"Parei". (Torquato Neto)
Muitos ainda se desgostam com o termo "línguas mortas". Concordo que o termo pode entrar meio torto ouvido adentro, e pode mesmo soar triste quando pensamos nas línguas mortas prematuramente pela ignorância e pela soberba de um ocidente pretensioso, que teima em permitir que se dizimem os povos
indígenas.
Mas eu gostaria de ver aqui, nesse cantinho nosso de tanta intimidade, a expressão "língua morta" despojar-se do manto da lamentação e revestir-se primeiramente de um colete técnico, que a faria significar "língua sem falantes nativos". Depois, ainda peço, querida leitora, que você me ajude a completar os trajes do termo, colocando-lhe a anágua da antigüidade e, por fim, a gala de seu sentido de "idioma clássico".
As línguas com falantes vivos, nossas línguas, não se permitem dicionarizar por completo, isso, como tentei expressar na quinzena passada, não é possível para uma língua que a cada dia absorve um sem-números de vocábulos e que regurgita diariamente outros muitos. Nenhum dicionário pode, é certo, acompanhá-las por completo. Sua vida, que é a vida de seus falantes, não o permite.
Mas o que dizer de uma língua que está parada no tempo. Sim, para os filólogos e beletristas, a morte da língua é uma parada definitiva. Uma parada no tempo e no espaço. Uma língua morta pode continuar em outra língua, como um pai no filho. Mas não em si mesma.
Daí nasce a outra língua, a língua dos filólogos, a língua dos historiadores do idioma, dos arqueólogos da gramática e dos paleontólogos do léxico. Dessa língua tão sui generis - meio 'natural', meio invenção - brota a língua referencial do passado.
Ao contrário dos que se escandalizam com o nome 'língua morta', comprazo-me com ele. Essa morte - ela mesma tão antiga - dessas línguas dá-lhe toda a peculiaridade que as faz fascinantes.
Passeando pelo sítio arqueológico desses idiomas do passado, descobrimos os referenciais identitários que nossa cultura escolheu. As narrativas, os desabafos, as leis e toda a sorte de registros que os ancestrais de nossa cultura ali deixaram revelam-se àqueles que passaram pelos percalços do desvelamento de uma linguagem que se aprende solitariamente e quase em silêncio, sem a ajuda de seus falantes.
Sem ajuda nem guia, é certo, mas não sem lanternas que iluminam por vezes com notável precisão esses sinuosos caminhos da compreensão do passado. Dentre essas lanternas há uma especialmente peculiar, que é a figura do dicionário.
Um dicionário - ou um léxico, aqui não entrarei na distinção entre dois tipos de obras - de grego ou de latim, para citar as duas mais famosas línguas da Antiguidade ocidental, tão melhor é quanto menos se compromete
com a precisão do significado isolado e mais com a do significado contextualizado. Um bom dicionário dessas línguas, portanto, é totalmente voltado para as referências e usos, esforçando-se ao máximo para oferecer ao consulente o maior número de ocorrências significativas.
Essa é uma das particularidades dessas obras específicas, mas há outras. E outra delas é precisamente a possibilidade que só esses dicionários de línguas mortas têm de oferecer um verdadeiro thesaurus completo do léxico da língua em questão. Podemos dizer que somente esses dicionários podem ser completos, mesmo com os termos que só foram encontrados uma única vez, os 'hapax legomena'.
Eles podem ser completos, é verdade; coisa que os dicionários de língua viva jamais poderiam ser; contudo, não o são.
As razões disso são que ainda estamos longe de conhecer tudo o que tantos séculos de uso do latim e do grego nos deixaram, e que não podemos arbitrar consensualmente sobre o momento da morte do grego ou do latim. Sobre esse último aspecto, querida leitora, despeço-me recomendando, para o seu refinado deleite, a divertida página preparada pelo Vaticano (http://www.vatican.va/roman_ curia/institutions_connected/ latinitas/documents/rc_ latinitas_20040601_lexicon_it. html), que, felizmente, ainda sopra ameno espírito sobre uma língua que as crianças não falam mais.
in: http://www.letras.ufrj.br/
Poucos conhecimentos são mais sedutores do que o da etimologia. Todos gostamos muito de saber de onde vêm as palavras que usamos.
Do tupi, do grego, do latim ou do árabe, essas origens nos encantam e nos proporcionam uma sensação indescritível de participarmos de um enredo em cujo fim muitos julgam encontrar-se.
As etimologias têm servido, portanto, para propiciar essa inserção na história através de uma língua que nos une às nossas origens, às origens que desejamos. Esse primado devolve-nos a Idade Média, a Antigüidade, mas também a delícia que é cortarmos transversalmente essa linhagem européia, com nossos étimos africanos e autóctones.
Tudo isso a etimologia tem nos dado, e mais, ela ainda oferece algumas ajudas nada desprezíveis nos apuros ortográficos em quase todas as línguas européias. Apesar de tantos benefícios que o conhecimento das raízes dos vocábulos é capaz de oferecer, ainda se quer extrair dele o que ele simplesmente não pode dar.
Em um contexto em que já não se faz mais necessário essa inserção, dada mais pela mídia do que pela partilha de um passado comum, prolonga-se o primeiro atentado ao uso da etimologia.
Cada vez com mais freqüência ouvimos que tal palavra vernacular tem - ou não tem - tal ou qual significado porque em grego significava isso ou aquilo, ou isso ou aquilo em latim. Não é preciso dizer o quanto é errado isso, mas o problema é que continuamos ouvindo esse tipo de coisa em ambientes cada vez mais elevados.
Dessas etimologias supremas, capazes de imperar sobre a semântica, destacam-se as que se relacionam com o grego. Parece irônico, pois é justo aí que nos distanciamos mais do étimo. Isso porque não herdamos nenhuma palavra diretamente do grego. As palavras passaram ou pelo latim ou pela necessidade de neologismos que a tecnologia e a ciência nos impuseram.
Assim chegou-nos a palavra 'gramática', do latim 'grammatica', e não do grego 'grammatiké (tékhne)', com o qual o português nunca teve o menor contato. Pela outra via, chegaram-nos palavras como 'telefone', que -
escusa-se dizer - não fazia parte da realidade da Antigüidade ou da Idade Média.
Claro que 'grammatica' foi uma palavra importada do grego. Claro! Mas está lá, na língua latina - e, por conseqüência, no dicionário latino. Desse uso e dessa apropriação completa redundou a nossa 'gramática', e não de uma outra idéia e de um outro uso que os gregos, em sua insondável pluralidade étnica, atribuíam à 'grammatiké (tékhne)'.
O grande Ferreira Gullar teria dito certa vez que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Pois adapto e digo: a etimologia não foi feita para ensinar semântica a ninguém.
Resta agora apenas dizer que há uma etimologia que precisa ser feita, uma que não -hesito em chamar de 'história dos étimos', e que procure auxiliar o historiador da língua a localizar o texto e o contexto de um momento de um determinado uso de um determinado étimo. Alguns dicionários etimológicos já deram um grande passo nessa direção, registrando o que consideraram momentos-chave dessas histórias. Mas muita coisa ficou por fazer, e é isso mesmo que acho que devem fazer os verdadeiros etimólogos, que deveriam
também ser autênticos historiadores dos conceitos, e não normativistas da semântica usual, literária e sobretudo filosófica.
"Em estado de dicionário" ou ainda o "imexível"
1
Aurélio são e Houaiss,
Caldas Aulete e Morais
para todos os mortais
e de todos nós, os pais.
Está no dicionário o verbo 'dicionarizar'. A definição é clara e quase unânime: "incluir em dicionário". Esse verbo, no entanto, só tem como sujeito real o lexicógrafo, que, ainda segundo o dicionário, é quem elabora
dicionários.
Desse profissional, ainda que trabalhe em equipe, não deveríamos exigir a perfeição. Mas sempre esperamos por isso.
Para a maioria das pessoas, uma palavra dicionarizada é o mesmo que uma palavra existente.
Lá está o dicionário, onde encontramos, a ortoépia, o significado preciso, a regência correta, a etimologia, sinônimos, antônimos, além de expressões idiomáticas e exemplos de emprego.
Essa massa bruta de palavras e folhas sempre ameaça nosso saber, insinuando nossa ignorância.
Do verbo dicionarizar, veio uma palavra que assusta todos os usuários do registro culto da língua: o particípio "dicionarizado".
Que esse seja, então, se me permite minha generosa leitora, nosso assunto de hoje.
Sob esse particípio repousam todas as palavras que estão ali, no dicionário. Todas as palavras que ali descansam à espera de quem as tome para uso. Isso é maravilhoso, é certo. Lembra-nos as notas musicais que repousam em nossa memória auditiva, e que, dela saindo, podem gerar as mais belas sinfonias e os mais desastrosos ruídos. Assim também a palavra dicionarizada.
"Dicionarizado", contudo, também esconde uma ameaça repressora, que não se pode negligenciar. Esse particípio abriga, além de suas possibilidades de desdobramento e uso, o símbolo máximo do poder lexicográfico, o cetro real da lexicomania pseudo-erudita, a desrazão esdrúxula de considerar-se que um dicionário pode registrar ou oferecer todas as possibilidades lexicais de uma língua.
Um termo não dicionarizado só pode ser usado em itálico, dizia há não muito tempo uma regra natimorta da escrita formal.
Mas então uma palavra não é digna de letras redondas senão dicionarizada?
Os problemas acerca desse tema já foram debatidos por grandes filólogos à época que certa figura pública teria malfadadamente dito a palavra não-dicionarizada "imexível".
Lembro-me do saudoso Antonio Houaiss oferecer lições de morfologia lingüística a vários meios de comunicação, pelos quais bradava que nada havia de errado com a expressão ministerial. Em vão! O dicionário falou mais alto do que o organizador do que viria a ser o maior dicionário contemporâneo da Língua Portuguêsa. Imexível não constava do dicionário.
Agora consta: está no Houaiss. E nem assim reabilita-se o ministro.Um dicionário cresce. Cresce de edição para edição, assimilando neologismos, e cumprindo a tarefa de discernir entre efemeridades e ingressos permanentes. Difícil tarefa, sem dúvida!
Não poderia haver, claro!, um dicionário completo. Uma língua tem falantes, os falantes incormporam vocábulos de outras línguas, inventam algumas palavras, criam códigos específicos, que ou sucumbem ou tornam-se mais gerais.
Tudo isso impediria e restringiria o alcance do dicionário, mas ainda não é a sua única limitação.
Pode-se citar pelo menos mais duas: a potencialidade derivacional das raízes e as variações no tempo e no espaço da regência e do significado de uma mesma palavra.
Essas dificuldades trazem-me a alegria de saber-me em outra profissão que não a de lexicógrafo, mas estão muito longe de serem as únicas. Antes, são algumas das muitas.
Por outro lado, essas dificuldades do ofício do lexicógrafo dependem de um fator fundamental: que a língua tenha falantes, e que esses falantes estejam vivos (e criativos). Esse não é, como sabemos, o caso do grego
(antigo) e do latim, assim como o de muitas outras línguas. Por isso, querida leitora, corri ao nosso título coloquei-lhe um número 'um', para que na próxima coluna conversemos sobre esses dicionários de nossas amadas línguas mortas. Até lá.
"Em estado de dicionário" 2
"Parei". (Torquato Neto)
Muitos ainda se desgostam com o termo "línguas mortas". Concordo que o termo pode entrar meio torto ouvido adentro, e pode mesmo soar triste quando pensamos nas línguas mortas prematuramente pela ignorância e pela soberba de um ocidente pretensioso, que teima em permitir que se dizimem os povos
indígenas.
Mas eu gostaria de ver aqui, nesse cantinho nosso de tanta intimidade, a expressão "língua morta" despojar-se do manto da lamentação e revestir-se primeiramente de um colete técnico, que a faria significar "língua sem falantes nativos". Depois, ainda peço, querida leitora, que você me ajude a completar os trajes do termo, colocando-lhe a anágua da antigüidade e, por fim, a gala de seu sentido de "idioma clássico".
As línguas com falantes vivos, nossas línguas, não se permitem dicionarizar por completo, isso, como tentei expressar na quinzena passada, não é possível para uma língua que a cada dia absorve um sem-números de vocábulos e que regurgita diariamente outros muitos. Nenhum dicionário pode, é certo, acompanhá-las por completo. Sua vida, que é a vida de seus falantes, não o permite.
Mas o que dizer de uma língua que está parada no tempo. Sim, para os filólogos e beletristas, a morte da língua é uma parada definitiva. Uma parada no tempo e no espaço. Uma língua morta pode continuar em outra língua, como um pai no filho. Mas não em si mesma.
Daí nasce a outra língua, a língua dos filólogos, a língua dos historiadores do idioma, dos arqueólogos da gramática e dos paleontólogos do léxico. Dessa língua tão sui generis - meio 'natural', meio invenção - brota a língua referencial do passado.
Ao contrário dos que se escandalizam com o nome 'língua morta', comprazo-me com ele. Essa morte - ela mesma tão antiga - dessas línguas dá-lhe toda a peculiaridade que as faz fascinantes.
Passeando pelo sítio arqueológico desses idiomas do passado, descobrimos os referenciais identitários que nossa cultura escolheu. As narrativas, os desabafos, as leis e toda a sorte de registros que os ancestrais de nossa cultura ali deixaram revelam-se àqueles que passaram pelos percalços do desvelamento de uma linguagem que se aprende solitariamente e quase em silêncio, sem a ajuda de seus falantes.
Sem ajuda nem guia, é certo, mas não sem lanternas que iluminam por vezes com notável precisão esses sinuosos caminhos da compreensão do passado. Dentre essas lanternas há uma especialmente peculiar, que é a figura do dicionário.
Um dicionário - ou um léxico, aqui não entrarei na distinção entre dois tipos de obras - de grego ou de latim, para citar as duas mais famosas línguas da Antiguidade ocidental, tão melhor é quanto menos se compromete
com a precisão do significado isolado e mais com a do significado contextualizado. Um bom dicionário dessas línguas, portanto, é totalmente voltado para as referências e usos, esforçando-se ao máximo para oferecer ao consulente o maior número de ocorrências significativas.
Essa é uma das particularidades dessas obras específicas, mas há outras. E outra delas é precisamente a possibilidade que só esses dicionários de línguas mortas têm de oferecer um verdadeiro thesaurus completo do léxico da língua em questão. Podemos dizer que somente esses dicionários podem ser completos, mesmo com os termos que só foram encontrados uma única vez, os 'hapax legomena'.
Eles podem ser completos, é verdade; coisa que os dicionários de língua viva jamais poderiam ser; contudo, não o são.
As razões disso são que ainda estamos longe de conhecer tudo o que tantos séculos de uso do latim e do grego nos deixaram, e que não podemos arbitrar consensualmente sobre o momento da morte do grego ou do latim. Sobre esse último aspecto, querida leitora, despeço-me recomendando, para o seu refinado deleite, a divertida página preparada pelo Vaticano (http://www.vatican.va/roman_
domingo, 18 de abril de 2010
Ensino deficiente derruba Brasil na corrida por avanço em tecnologia
A baixa qualidade do sistema educacional brasileiro, em especial quanto ao ensino de ciências e matemática, está comprometendo todo o esforço que o país tem feito para avançar em infraestrutura e em uso da tecnologia da informação (TI). Fator de competitividade no mundo moderno, a TI é medida atualmente como indicador de potencial de desenvolvimento e de atração de investimentos em projetos industriais, de agropecuária avançada e de serviços que demandam tecnologia de ponta. Levantamento divulgado semana passada pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), mostra que o Brasil perdeu, em 2009, duas posições no ranking mundial organizado pela entidade com base no Índice de Tecnologia da Informação (IPI), em relação ao levantamento de 2008. O Brasil caiu da 59ª para a 61ª, numa relação que envolve 133 países (ver ranking). O WEF analisou 68 itens e constatou que o Brasil fez progressos em aspectos como telefonia, rede elétrica e centros de pesquisa. Com isso, o país ganhou posições num dos pontos mais importantes da pesquisa, o da infraestrutura. Mas esses avanços são anulados pelas deficiências da educação e pela perda de pontos preciosos em mais dois setores: burocracia e impostos. Responsáveis pela pesquisa alertam para o efeito da elevada carga tributária sobre o s produtos de tecnologia e de comunicação no Brasil, o que torna mais difícil o acesso da maioria da população a esses recursos.
O resultado é que o Brasil está perdendo a corrida para os emergentes China (37ª), Índia (43ª) e Chile (37ª), além do pequeno Barbados (35ª), países que têm investido na criação de condições para o desenvolvimento da tecnologia da informação em suas escolas, empresas e instituições governamentais. Mesmo na comparação com os países da América Latina e do Caribe, o Brasil, além Barbados e Chile, está em posição inferior às de Porto Rico, Costa Rica, Uruguai, Panamá e Colômbia. Na região, somente o México (78ª) e a Argentina (91ª) têm perdido mais posições do que o Brasil. Os economistas do WEF reconhecem que a comparação com Barbados é deficiente, já que em países muito pequenos é mais fácil fazer uma política de desenvolvimento dar certo. O ITI é um indicador que não deve ser desprezado, pois revela o sucesso e o fracasso do esforço que os países estão fazendo para se manter atualizados e competitivos, pois mede a real implantação de novas tecnologias em cada país. Os pontos fracos detectados no Brasil, em especial o da preparação das pessoas para se interessar e para usar com eficácia os recursos da tecnologia, indicam frentes que o país deveria atacar com prioridade. Na verdade, a conclusão a que chegou o estudo do WEF já vem sendo denunciada por levantamentos realizados por instituições públicas e privadas brasileiras, que têm alertado para a proximidade de um apagão de mão de obra qualificada. Se é mais do que sabido que na área tecnológica essa deficiência na preparação do trabalhador é grave, torna-se incompreensível a falta de ação no sentido de acelerar a correção dessa falha. Privar as novas gerações de oportunidades de trabalho com a importação de técnicos ou, pior ainda, pela inviabilidade do crescimento econômico por falta de mãos e cérebros treinados será imperdoável.
Editorial publicado no jornal Estado de Minas, 29/03/2010 - Belo Horizonte MG
A baixa qualidade do sistema educacional brasileiro, em especial quanto ao ensino de ciências e matemática, está comprometendo todo o esforço que o país tem feito para avançar em infraestrutura e em uso da tecnologia da informação (TI). Fator de competitividade no mundo moderno, a TI é medida atualmente como indicador de potencial de desenvolvimento e de atração de investimentos em projetos industriais, de agropecuária avançada e de serviços que demandam tecnologia de ponta. Levantamento divulgado semana passada pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), mostra que o Brasil perdeu, em 2009, duas posições no ranking mundial organizado pela entidade com base no Índice de Tecnologia da Informação (IPI), em relação ao levantamento de 2008. O Brasil caiu da 59ª para a 61ª, numa relação que envolve 133 países (ver ranking). O WEF analisou 68 itens e constatou que o Brasil fez progressos em aspectos como telefonia, rede elétrica e centros de pesquisa. Com isso, o país ganhou posições num dos pontos mais importantes da pesquisa, o da infraestrutura. Mas esses avanços são anulados pelas deficiências da educação e pela perda de pontos preciosos em mais dois setores: burocracia e impostos. Responsáveis pela pesquisa alertam para o efeito da elevada carga tributária sobre o s produtos de tecnologia e de comunicação no Brasil, o que torna mais difícil o acesso da maioria da população a esses recursos.
O resultado é que o Brasil está perdendo a corrida para os emergentes China (37ª), Índia (43ª) e Chile (37ª), além do pequeno Barbados (35ª), países que têm investido na criação de condições para o desenvolvimento da tecnologia da informação em suas escolas, empresas e instituições governamentais. Mesmo na comparação com os países da América Latina e do Caribe, o Brasil, além Barbados e Chile, está em posição inferior às de Porto Rico, Costa Rica, Uruguai, Panamá e Colômbia. Na região, somente o México (78ª) e a Argentina (91ª) têm perdido mais posições do que o Brasil. Os economistas do WEF reconhecem que a comparação com Barbados é deficiente, já que em países muito pequenos é mais fácil fazer uma política de desenvolvimento dar certo. O ITI é um indicador que não deve ser desprezado, pois revela o sucesso e o fracasso do esforço que os países estão fazendo para se manter atualizados e competitivos, pois mede a real implantação de novas tecnologias em cada país. Os pontos fracos detectados no Brasil, em especial o da preparação das pessoas para se interessar e para usar com eficácia os recursos da tecnologia, indicam frentes que o país deveria atacar com prioridade. Na verdade, a conclusão a que chegou o estudo do WEF já vem sendo denunciada por levantamentos realizados por instituições públicas e privadas brasileiras, que têm alertado para a proximidade de um apagão de mão de obra qualificada. Se é mais do que sabido que na área tecnológica essa deficiência na preparação do trabalhador é grave, torna-se incompreensível a falta de ação no sentido de acelerar a correção dessa falha. Privar as novas gerações de oportunidades de trabalho com a importação de técnicos ou, pior ainda, pela inviabilidade do crescimento econômico por falta de mãos e cérebros treinados será imperdoável.
Editorial publicado no jornal Estado de Minas, 29/03/2010 - Belo Horizonte MG
The Global Information Technology Report 2009-2010
mais
Aluno Integrado
Programa ensina estudante a usar tecnologia durante a aula
As tecnologias da informação e da comunicação (TICs) estão cada vez mais presentes na sala de aula. Pensando nisso, o Ministério da Educação criou o Aluno Integrado, programa que proporciona formação em TICs para estudantes da rede pública de ensino brasileiro. Com o programa, os alunos se tornam parceiros do professor e da escola, auxiliando tanto nas aulas, como no cuidado com os equipamentos dos laboratórios.
O Aluno Integrado é parte do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (Proinfo Integrado), que envolve a distribuição de laboratórios, a capacitação de professores para o uso das TICs nas escolas e oferta de conteúdos educacionais. Em 2009, foi realizado um projeto piloto com a participação de 2.700 alunos indicados pelos coordenadores do Proinfo Integrado e pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em todos os estados.
Para participar, os interessados devem procurar o representante da Undime local ou o coordenador do Proinfo Integrado nas secretarias de educação estaduais ou municipais. O aluno também pode enviar uma mensagem ( alunointegrado@mec.gov.br ) eletrônica.
leia na íntegra
O Aluno Integrado é parte do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (Proinfo Integrado), que envolve a distribuição de laboratórios, a capacitação de professores para o uso das TICs nas escolas e oferta de conteúdos educacionais. Em 2009, foi realizado um projeto piloto com a participação de 2.700 alunos indicados pelos coordenadores do Proinfo Integrado e pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em todos os estados.
Para participar, os interessados devem procurar o representante da Undime local ou o coordenador do Proinfo Integrado nas secretarias de educação estaduais ou municipais. O aluno também pode enviar uma mensagem ( alunointegrado@mec.gov.br ) eletrônica.
leia na íntegra
Leitura e livros
Leituras privadas, livros públicos
Por Marcelo Coelho
Por Marcelo Coelho
Ipod, Ipad, iPhone, Bluetooth: não me perguntem a diferença entre uma coisa e outra. Quase nunca uso o celular e acho isso uma felicidade.
Minha reação varia entre pena, horror, medo e desprezo quando vejo aquelas filas de fanáticos esperando a abertura da loja onde comprarão o mais recente brinquedo eletrônico, que, daqui a pouco, estará completamente obsoleto. Esperar continua a ser uma grande virtude. Eu teria, sem dúvida, me dado mal se tivesse cedido ao impulso de comprar uma TV de plasma há alguns anos atrás; parece que não dá muito certo e, de todo modo, barateia com o passar do tempo.
Em matéria de eletrônicos, minha única política tem sido a de usar até que quebrem. Aí, é claro, não chego ao extremo de mandar para o conserto: isso seria xiita nos dias que correm. Como meu velho toca-discos ainda funciona, posso até saborear a secreta vingança de ver o vinil voltando à moda; no túmulo, talvez, outros motivos existirão para quem me encontrar sorrindo. Leio, entretanto, meu horóscopo do dia e corrijo o andor deste artigo.
"Capricórnio. Hoje pode ser um daqueles dias em que você ri por dentro da miséria alheia, dos erros e das cabeçadas, que outros, mais empolgados, crentes e ingênuos, cometeram, tentando acertar e viver melhor. Tire esse dedo da cara dos outros e não seja chato achando que sabe tudo." Certo. Tiro o dedo da cara dos outros e deixo-o livre, quem sabe, para tocar algum dia a tela sensível de um iPad, se tal aparelho vier a cair nas minhas mãos.
Por enquanto, a única coisa que vi parecida foi o Kindle, que um amigo trouxe dos Estados Unidos. A vontade de comprar veio na hora; pouco tempo depois, sumiu. O livro eletrônico da Amazon me pareceu bonitinho, elegante, e suas vantagens práticas (em viagem, por exemplo) não me deixaram indiferente. Mas espero.
E, enquanto espero, topo com um novo argumento a favor do livro tradicional. Não aquelas elegias ao cheiro do papel, à rugosidade da encadernação etc., que tendem a esquecer as folhas que se rasgam, que se despregam da lombada, que indelevelmente registram (compro muito livro usado) as marcas de esferográfica, além da coriza de seus antigos donos. Leio, na edição traduzida do "New York Times", que a Folha trouxe encartada na segunda-feira, um problema mais grave. Coisas como o Kindle e o iPad acabam com as capas dos livros.
Desaparece, diz Motoko Rich na sua reportagem, o prazer bisbilhoteiro de ver o que a outra pessoa está lendo no avião, no metrô ou na sala de espera.
Desaparece também a vaidade de mostrar ao próximo que livro você está lendo. A nova-iorquina Bindu Wiles, por exemplo, ostentou durante um bom tempo, em suas viagens no metrô, o romance "Anna Karenina", de Tolstói. Orgulhava-se disso, e não haverá Kindle folheado a ouro e cravejado de cristais Swarowski que substitua essa pequena pretensão.
Mas há soluções para tudo. Um site chamado "librarything" funciona como uma espécie de Facebook só para leitores de livros. Você põe ali a lista dos livros que andou lendo (o que é um bom registro, aliás, para depois de uns anos perceber o quanto esqueceu das próprias leituras).
A lista inclui automaticamente a capinha do livro e mostra quantas outras pessoas o leem também. É claro que daí surgem indicações de livros parecidos, salas de discussão, tudo o que você quiser.
O caso da americana Bindu Wiles, que gosta de aparecer com um Tolstói a caminho do trabalho, leva a pensar em outro fenômeno. Costumamos achar que toda novidade tecnológica contribui para dissolver a esfera da vida privada.
Celulares, como se sabe, não respeitam a intimidade de ninguém. Eis que o livro eletrônico e também os iPods tornam o ato de ler ou de ouvir música muito mais secreto do que era antigamente. Alguns séculos atrás, só se lia em voz alta; música era acontecimento público. Agora, também o cinema e a televisão se individualizaram em telas portáteis, como joguinhos eletrônicos. Lamento pelas capas dos livros, tantas vezes lindas. Mas, da oração protestante à leitura de um gibi, é a vida privada que não cessa de se fortalecer ao longo do tempo; talvez todas as invasões de "reality shows" e bisbilhotices na internet não passem, na verdade, dos últimos gritos desesperados de uma coisa prestes a desaparecer: a vida em comum.
Publicado no jornal Folha de S.Paulo, Ilustrada, 14/04/10
Minha reação varia entre pena, horror, medo e desprezo quando vejo aquelas filas de fanáticos esperando a abertura da loja onde comprarão o mais recente brinquedo eletrônico, que, daqui a pouco, estará completamente obsoleto. Esperar continua a ser uma grande virtude. Eu teria, sem dúvida, me dado mal se tivesse cedido ao impulso de comprar uma TV de plasma há alguns anos atrás; parece que não dá muito certo e, de todo modo, barateia com o passar do tempo.
Em matéria de eletrônicos, minha única política tem sido a de usar até que quebrem. Aí, é claro, não chego ao extremo de mandar para o conserto: isso seria xiita nos dias que correm. Como meu velho toca-discos ainda funciona, posso até saborear a secreta vingança de ver o vinil voltando à moda; no túmulo, talvez, outros motivos existirão para quem me encontrar sorrindo. Leio, entretanto, meu horóscopo do dia e corrijo o andor deste artigo.
"Capricórnio. Hoje pode ser um daqueles dias em que você ri por dentro da miséria alheia, dos erros e das cabeçadas, que outros, mais empolgados, crentes e ingênuos, cometeram, tentando acertar e viver melhor. Tire esse dedo da cara dos outros e não seja chato achando que sabe tudo." Certo. Tiro o dedo da cara dos outros e deixo-o livre, quem sabe, para tocar algum dia a tela sensível de um iPad, se tal aparelho vier a cair nas minhas mãos.
Por enquanto, a única coisa que vi parecida foi o Kindle, que um amigo trouxe dos Estados Unidos. A vontade de comprar veio na hora; pouco tempo depois, sumiu. O livro eletrônico da Amazon me pareceu bonitinho, elegante, e suas vantagens práticas (em viagem, por exemplo) não me deixaram indiferente. Mas espero.
E, enquanto espero, topo com um novo argumento a favor do livro tradicional. Não aquelas elegias ao cheiro do papel, à rugosidade da encadernação etc., que tendem a esquecer as folhas que se rasgam, que se despregam da lombada, que indelevelmente registram (compro muito livro usado) as marcas de esferográfica, além da coriza de seus antigos donos. Leio, na edição traduzida do "New York Times", que a Folha trouxe encartada na segunda-feira, um problema mais grave. Coisas como o Kindle e o iPad acabam com as capas dos livros.
Desaparece, diz Motoko Rich na sua reportagem, o prazer bisbilhoteiro de ver o que a outra pessoa está lendo no avião, no metrô ou na sala de espera.
Desaparece também a vaidade de mostrar ao próximo que livro você está lendo. A nova-iorquina Bindu Wiles, por exemplo, ostentou durante um bom tempo, em suas viagens no metrô, o romance "Anna Karenina", de Tolstói. Orgulhava-se disso, e não haverá Kindle folheado a ouro e cravejado de cristais Swarowski que substitua essa pequena pretensão.
Mas há soluções para tudo. Um site chamado "librarything" funciona como uma espécie de Facebook só para leitores de livros. Você põe ali a lista dos livros que andou lendo (o que é um bom registro, aliás, para depois de uns anos perceber o quanto esqueceu das próprias leituras).
A lista inclui automaticamente a capinha do livro e mostra quantas outras pessoas o leem também. É claro que daí surgem indicações de livros parecidos, salas de discussão, tudo o que você quiser.
O caso da americana Bindu Wiles, que gosta de aparecer com um Tolstói a caminho do trabalho, leva a pensar em outro fenômeno. Costumamos achar que toda novidade tecnológica contribui para dissolver a esfera da vida privada.
Celulares, como se sabe, não respeitam a intimidade de ninguém. Eis que o livro eletrônico e também os iPods tornam o ato de ler ou de ouvir música muito mais secreto do que era antigamente. Alguns séculos atrás, só se lia em voz alta; música era acontecimento público. Agora, também o cinema e a televisão se individualizaram em telas portáteis, como joguinhos eletrônicos. Lamento pelas capas dos livros, tantas vezes lindas. Mas, da oração protestante à leitura de um gibi, é a vida privada que não cessa de se fortalecer ao longo do tempo; talvez todas as invasões de "reality shows" e bisbilhotices na internet não passem, na verdade, dos últimos gritos desesperados de uma coisa prestes a desaparecer: a vida em comum.
Publicado no jornal Folha de S.Paulo, Ilustrada, 14/04/10
Paciência em falta
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol. com.br
DICAS
LITERATURA
A literatura de Adélia Prado é sempre sensível, delicada e feminina. Esse livro, além de saboroso, promove reflexão acerca da representação da figura materna. (RS)
Quero Minha Mãe
Autora: Adélia Prado
Editora: Record
[...] OS PAIS TÊM POUCA PACIÊNCIA COM AS MANIFESTAÇÕES DA CRIANÇA, COM O CRESCIMENTO DO FILHO
A ideia de ter filhos hoje é absolutamente sedutora. Tornar-se mãe ou pai é um fato que nunca pareceu tão importante porque é visto como modo de se realizar, de se completar, de cumprir uma missão importante. Não é à toa que tantas mulheres recorrem a procedimentos médicos diversos para conseguir engravidar.
Definitivamente, consumimos a ideia de que ter filhos é fundamental.
O período de gestação é cercado de acontecimentos que se parecem com pequenas festas para os futuros pais. Compras dos mais variados tipos, durante meses consecutivos, são consideradas indispensáveis: além do enxoval para o bebê, há as vestimentas para a futura mãe, que, em geral, não vê a hora de exibir sua condição.
Aliás, um bom exemplo de como exibir a gravidez é tão importante quanto estar grávida são as entrevistas, as fotos e o modo de se apresentar de artistas que esperam um filho. Além das compras, são contratados vários prestadores de serviços e um aparato médico-hospitalar que inclui muitos exames -e não me refiro aqui ao essencial, que constitui o pré-natal.
Depois do nascimento, a cortina desce progressiva e vagarosamente e o clima de festividade cede espaço à realidade: ter filhos, o que exige cuidar deles e educá-los, dá trabalho. Um trabalhão, por sinal. Nos primeiros anos, são noites maldormidas, trabalho braçal árduo, atenção constante e o contato com um universo radicalmente diferente do nosso: o mundo da imaginação e da fantasia.
Além disso, ensinar a criança a estar com os outros não é tarefa simples porque os pequenos não se controlam e, portanto, por mais que entendam as ordens e orientações dos pais, precisam ser seguidos de perto e contidos sempre.
Na segunda parte da infância, os pais precisam começar a exercitar o desprendimento em relação aos filhos, já que eles precisam crescer e a vida escolar é o campo onde isso ocorre de modo privilegiado. Na adolescência, os pais são testados continuamente e não podem abandonar seu papel até que o filho amadureça, de preferência como uma pessoa de bem, para viver por conta própria.
Todo esse processo exige, mais do que qualquer outra coisa, muita paciência. Aliás, creio que essa seja a virtude mais necessária a quem tem filhos. E, do mesmo modo, a que tem estado mais em falta atualmente. Os pais têm tido pouca paciência com as manifestações próprias da criança pequena, com o crescimento do filho -que tem um ritmo próprio-, com as contestações dos adolescentes. Acreditam que os filhos os fazem insistir demais nas mesmas coisas.
Pois os pais precisam saber que, por mais ou menos 18 anos, irão repetir as mesmas coisas. "Ainda não" e "agora chega" condensam as mais importantes repetições; mudam apenas os conteúdos delas, de acordo com a idade dos filhos.
Os pais não podem dizer que não têm paciência no exercício de seu papel. Quem tem filhos precisa desenvolver essa virtude a qualquer preço. Sem ela, os mais novos ficam na situação de órfãos de pais vivos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.
DICAS
LITERATURA
A literatura de Adélia Prado é sempre sensível, delicada e feminina. Esse livro, além de saboroso, promove reflexão acerca da representação da figura materna. (RS)
Quero Minha Mãe
Autora: Adélia Prado
Editora: Record
Avaliação
Como corrigir bem as provas dos alunos
A boa correção é aquela em que você trabalha os resultados da classe para orientar a melhor forma de avançar. Conheça exemplos de encaminhamento para três tipos de erro em Matemática.
leia na íntegra
mais
A boa correção é aquela em que você trabalha os resultados da classe para orientar a melhor forma de avançar. Conheça exemplos de encaminhamento para três tipos de erro em Matemática.
leia na íntegra
mais
Concurso para docente da Carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da Universidade Federal de Uberlândia
Concurso Público de Provas e Títulos - 36 vagas de Professor da Carreira de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, para a Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia - ESEBA/UFU
Edital Nº 29/2010 – ESEBA
CONFIRA O EDITAL NA ÍNTEGRA. ACESSE:
Aprendendo com a música
Alunos de uma escola da área rural se divertem com a cantora Ana Cristina Silva, que desenvolve com eles um projeto pedagógico por meio do qual cantar e tocar reforçam a criatividade e o prazer de estudar
Mara Puljiz / Correio Braziliense
Kleber Lima/CB/D.A Press |
Ana Cristina (sentada, com o violão) apresenta suas composições à turma de estudantes: “Eu me transporto para o mundo das crianças” |
Timidamente, elas bateram palmas, rodopiaram e deram saltos de alegria. Assim foi o dia de ontem para um grupo de crianças com idade entre 6 e 11 anos da Escola Classe Barra Alta, em Planaltina, distante cerca de 100 km do Plano Piloto. Fantasiados dos mais diferentes bichos, os pequenos passaram a manhã cantando e dançando coreografias ensaiadas. As crianças se divertiram com a visita da cantora Ana Cristina Silva, ainda pouco conhecida na mídia, mas muito valorizada no ambiente escolar em razão do cunho educativo de suas letras. Com violão e microfone, a artista empolgou a meninada da área rural. A iniciativa faz parte do projeto pedagógico Quem canta encanta, cuja meta é valorizar a emoção, a expressão e a criatividade dos alunos.
Vestida de princesinha — com coroa e vestido de laços —, Vanessa Dias Maia, 7 anos, foi a primeira a mostrar sua graça pelo ornamentado pátio do colégio. Em seguida foi a vez de um grupo de cigarras entrar no palco. Pulando como um grilo e vestido com roupa de TNT da cor verde, Claick da Silva Cruz, 8, dançava a música Ô grilo, com letra do poeta Antônio Vitor. Ela conta a história de um grilo que foi a uma festa de botina e fez sucesso na escola. De óculos escuros com armação branca e uma guitarra na mão, o menino arrancou aplausos dos pais, que assistiam à apresentação sentados em cadeiras enfileiradas.
Ana Cristina encerrou o evento com a música O dito Birra. A letra fala de um menino que fazia birra para todas as coisas e ensina as crianças a respeitarem os pais. A canção se tornou o carro-chefe do CD gravado por Ana em 2004 e que, mesmo sem uma gravadora, vendeu mais de 1,8 mil cópias. “Eu me transporto para o mundo das crianças e tento conversar com elas por meio da música. Elas aprendem o sentido da pronunciação dos sons, sem contar que (a música) tem cunho educativo”, contou.
Memorização
Na visão da diretora Lucilene Vitorino dos Santos, a ideia é transformar a escola em um espaço mais prazeroso e divertido. Outro objetivo é desassociar a música do conceito único de lazer, utilizando-a também como forma de expansão do repertório cultural das crianças e acesso à diversidade de ritmos. “As crianças são apaixonadas pelas músicas. Os ritmos e rimas facilitam a memorização dos sons”, destacou a cantora.
Aprender música e distinguir sons não foi uma tarefa difícil para a meninada do campo. Afinal, eles estão acostumados com o canto das cigarras, o estrilo do grilo, o mugido das vacas, o miado do gato e o latido dos cães. Orgulhoso, o produtor rural Paulo Florentino de Goes, 57 anos, observava a sobrinha de 8 se divertir como ninguém. “A área rural é um local especial para a criança porque não tem estresse e ela pode aprender as coisas com facilidade. Quando as pessoas da cidade assistem às apresentações das crianças daqui, elas ficam encantadas porque são verdadeiros artistas”, observou.
Na Escola Classe Barra Alta, as crianças tiveram uma oportunidade de viver novas experiências, de desenvolver a leitura e a escrita e de interagir com os colegas. Brincaram, pularam, dançaram, cantaram e voltaram para casa com vontade de retornar no dia seguinte e aprender novas lições dos sons que os animais fazem. “É uma coisa linda. Me emociono quando eles chegam e até quando vão embora”, confessou Divina Alves, 64 anos, agente de conservação e limpeza da escola que trabalha há 20 anos no local.
Vestida de princesinha — com coroa e vestido de laços —, Vanessa Dias Maia, 7 anos, foi a primeira a mostrar sua graça pelo ornamentado pátio do colégio. Em seguida foi a vez de um grupo de cigarras entrar no palco. Pulando como um grilo e vestido com roupa de TNT da cor verde, Claick da Silva Cruz, 8, dançava a música Ô grilo, com letra do poeta Antônio Vitor. Ela conta a história de um grilo que foi a uma festa de botina e fez sucesso na escola. De óculos escuros com armação branca e uma guitarra na mão, o menino arrancou aplausos dos pais, que assistiam à apresentação sentados em cadeiras enfileiradas.
Ana Cristina encerrou o evento com a música O dito Birra. A letra fala de um menino que fazia birra para todas as coisas e ensina as crianças a respeitarem os pais. A canção se tornou o carro-chefe do CD gravado por Ana em 2004 e que, mesmo sem uma gravadora, vendeu mais de 1,8 mil cópias. “Eu me transporto para o mundo das crianças e tento conversar com elas por meio da música. Elas aprendem o sentido da pronunciação dos sons, sem contar que (a música) tem cunho educativo”, contou.
Memorização
Na visão da diretora Lucilene Vitorino dos Santos, a ideia é transformar a escola em um espaço mais prazeroso e divertido. Outro objetivo é desassociar a música do conceito único de lazer, utilizando-a também como forma de expansão do repertório cultural das crianças e acesso à diversidade de ritmos. “As crianças são apaixonadas pelas músicas. Os ritmos e rimas facilitam a memorização dos sons”, destacou a cantora.
Aprender música e distinguir sons não foi uma tarefa difícil para a meninada do campo. Afinal, eles estão acostumados com o canto das cigarras, o estrilo do grilo, o mugido das vacas, o miado do gato e o latido dos cães. Orgulhoso, o produtor rural Paulo Florentino de Goes, 57 anos, observava a sobrinha de 8 se divertir como ninguém. “A área rural é um local especial para a criança porque não tem estresse e ela pode aprender as coisas com facilidade. Quando as pessoas da cidade assistem às apresentações das crianças daqui, elas ficam encantadas porque são verdadeiros artistas”, observou.
Na Escola Classe Barra Alta, as crianças tiveram uma oportunidade de viver novas experiências, de desenvolver a leitura e a escrita e de interagir com os colegas. Brincaram, pularam, dançaram, cantaram e voltaram para casa com vontade de retornar no dia seguinte e aprender novas lições dos sons que os animais fazem. “É uma coisa linda. Me emociono quando eles chegam e até quando vão embora”, confessou Divina Alves, 64 anos, agente de conservação e limpeza da escola que trabalha há 20 anos no local.
Hadad diz que Brasil deve erradicar analfabetismo até o fim da década
Política pública de alfabetização
Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr.
Haddad diz que Brasil deve erradicar analfabetismo até o fim da década
Sexta-feira, 16 de Abril de 2010
O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou ontem (15) que o Brasil deve erradicar o analfabetismo até o fim desta década, ao participar de entrevista a emissoras de rádio no programa Bom Dia, Ministro. Atualmente, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2008 (Pnad/IBGE), a taxa de analfabetismo no país é de 10% entre a população com mais de 15 anos.
De acordo com o ministro, o país irá cumprir o acordo assinado em 2000 na Conferência Mundial de Educação, em Dacar, que prevê a redução da taxa de analfabetismo em 50% até 2015. “Isso significa levar a taxa para 6,7% até 2015 o que nos permite prever que até o final da década o analfabetismo estará erradicado no Brasil. Por erradicado nós devemos entender uma taxa de menos de 4% [de analfabetos na população maior de 15 anos], o que a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] considera um indicador aceitável”, disse.
Segundo a Agência Brasil, entre 1992 e 2008, a taxa de analfabetismo na população acima de 15 anos de idade caiu de 17,2% para 10%. Nos últimos anos, a redução tem sido um pouco mais lenta: de 2007 para 2008 o percentual passou de 10,1% para 10%. Em 2006, o índice era de 10,4% e em 2005, de 11,1%.
Haddad ressaltou que uma das dificuldades para combater o problema é que ele atinge principalmente a população idosa que vive em cidades pequenas ou no campo. “Na população de 15 a 17 anos o analfabetismo já é de 1,7% apenas, já pode ser considerado erradicado. Na população de 18 a 24 anos, estamos com uma percentual de 2,2% de analfabetos”, comparou.
Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr.
“Menas”, por favor!
Uma língua brasileira?
“Menas”, por favor!
Em confronto com as regras da norma culta, duas gramáticas e uma exposição defendem o modo brasileiro de falar
Mariana Shirai
FALE EM BRASILEIRO
O linguista Ataliba Teixeira de Castilho com uma prova de sua gramática do português falado no Brasil
A gente vamos falar errado menas vezes. Por mais estranheza que provoque hoje, essa frase poderá ser considerada uma maneira culta de usar a língua... no ano de 2210. Nem estaremos nos comunicando em português, mas sim em língua brasileira. Essas são algumas projeções feitas pelo linguista Ataliba Teixeira de Castilho, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da área há mais de cinco décadas. “Acho que em 200 anos teremos uma língua brasileira, totalmente diferente do português europeu e do africano”, diz ele. “Só não posso garantir, porque a linguística não é uma ciência do futuro, mas do presente e do passado.”
Castilho é autor de uma das duas gramáticas do português do Brasil que acabam de chegar às livrarias. Os livros, somados a uma exposição em São Paulo sobre as diferentes maneiras de falar do brasileiro, são uma tentativa de valorizar os desvios da norma culta praticados no país. Eles questionam a ideia de que haja uma maneira certa e outra errada de falar.
O futuro imaginado por Castilho pode parecer nada “haver”, mas se baseia em teorias fundamentadas. O professor esteve entre os acadêmicos que iniciaram o estudo da linguística (ciência que trata da linguagem verbal humana) no Brasil, na década de 70. De lá para cá, participou da criação de relevantes trabalhos da área, como a Gramática do português falado, primeiro estudo do gênero entre as línguas romanas, Para a história do português brasileiro e A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. Ele se apoiou no conhecimento acumulado para escrever a recém-lançada Nova gramática do português brasileiro (Contexto, 768 páginas, R$ 69,90).
A obra não é o tipo de gramática com a qual estamos acostumados. “Não estou preocupado com o certo ou o errado”, afirma Castilho (leia a entrevista). “Fiz um retrato da língua como ela é falada no Brasil, com suas variedades.” Isso quer dizer que o livro não deve ser usado como uma referência de como falar ou escrever dentro da norma culta – o conjunto de regras usadas pelos falantes cultos, descritas em gramáticas tradicionais. Ele mapeia os diferentes jeitos de usar a língua, incluindo aí formas que seriam consideradas erros pelos mais conservadores. Castilho analisa expressões como “ni mim”, “tafalano no telefone” e “quem que chegou?” a partir da constatação de que são fenômenos da língua, deixando as regras de lado. Também na trilha de identificar uma língua brasileira, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mario Alberto Perini acaba de lançar Gramática do português brasileiro (Parábola Editorial, 368 páginas, R$ 50). Mais concisa, a obra é a adaptação de outra gramática dele, a Modern portuguese: a reference grammar, escrita com o intuito de ensinar estrangeiros a falar o português brasileiro. “O português do Brasil (e não o europeu) é usado por 190 milhões de pessoas, é a oitava língua mais falada no mundo”, diz. “O fato de ele nunca ter sido organizado em forma de gramática é uma situação anômala, que mexe com nossos brios.”
Castilho concorda. “O futuro da língua portuguesa repousa no Brasil.” O lançamento das duas gramáticas é também relevante para o momento atual do país. “Tudo na linguagem é uma questão política. O país está numa fase interessantíssima.” Tentativas de unificar a língua, como o recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, podem ser vistas como um movimento oposto ao natural distanciamento e dominância do português falado no Brasil em relação às variantes europeias e africanas.
As iniciativas que valorizam o falar brasileiro não estão apenas nos livros. Em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa apresenta, até 27 de junho, a exposição Menas: o certo do errado, o errado do certo, com curadoria de Castilho e do professor de cursinho Eduardo Calbucci. É a primeira exposição do museu – um dos mais visitados do país – que trata da língua portuguesa. As outras mostras abordaram a obra de escritores, como Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
SEM ERROA exposição Menas exibe desvios da norma culta, abordados nas obras de Castilho e Perini
Os 420 metros quadrados do 1o andar da instituição foram cobertos por instalações multimídias, jogos interativos e vídeos que tratam exatamente dos desvios da norma padrão praticados pelo brasileiro na fala, na escrita cotidiana, na literatura e na música. “Queremos mostrar que o bom falante é aquele que sabe escolher a variedade linguística de acordo com a situação”, afirma Calbucci.
A exposição aborda com sucesso a ideia de que não há maneira errada de usar a língua. Logo no início, o visitante depara com frases como “Se alguém usou uma palavra, ela existe” e “A língua varia no tempo e no espaço”. Visitada principalmente por grupos de crianças em fase escolar, a exposição pode ser um problema, caso não haja orientação correta. Mesmo que sem intenção, ela valoriza os desvios em detrimento da norma culta. “Não é uma boa iniciativa”, diz o professor Evanildo Bechara, o mais importante gramático do Brasil. “É como dizer: ‘Se todo mundo está usando o crack, por que eu não vou usar?’. Se o aluno aprende a língua que ele já sabe, ou a escola está errada, ou o aluno não precisa da escola.”
O mérito da exposição e das gramáticas de Ataliba e de Perini está em divulgar uma ideia simples e ainda pouco compreendida: a língua está em constante mutação. Por isso, não deve ser avaliada apenas a partir da norma culta. O que hoje é visto como erro pode ser abraçado pelo padrão amanhã.
| Revista Época /18/4/2010
ROSELY SAYÃO
Dinheiro: modo de usar
[...] MAIOR REGULARIDADE DO QUE EU GOSTARIA, ME SURPREENDO COMPRANDO PEQUENAS INUTILIDADES DOMÉSTICAS
Educação financeira é um dos assuntos do momento entre os adultos que participam da educação dos mais novos. Pais e escolas querem que crianças e adolescentes tenham uma visão equilibrada do dinheiro e de seu uso. Tarefa difícil, principalmente quando lembramos que vivemos na era do consumo.
Para os adultos, já é difícil lidar com essa questão. Com maior regularidade do que eu gostaria, me surpreendo comprando pequenas inutilidades domésticas.
Com muito custo, consegui superar o gasto com as grandes inutilidades. Pessoas conhecidas gastam mais do que deveriam e contraem dívidas desnecessárias: carros maiores do que precisam, inovações tecnológicas que pouco facilitam a vida, roupas e acessórios caríssimos, entre outras coisas. E queremos ensinar o uso parcimonioso do dinheiro!
Corretíssimo que nosso anseio seja o de que eles nos superem e não repitam nossos defeitos -faz parte dos princípios de uma boa educação. Entretanto, poderíamos fazer mais do que tentar introduzir na escola -para citar um exemplo- a educação financeira.
Poderíamos começar reduzindo a lista de materiais que os pais compram para os filhos iniciarem animados o ano letivo. Dei uma rápida olhada em listas enviadas pelas escolas e conversei com algumas mães a respeito. Comecemos pelos pedidos das escolas.
Crianças que frequentam a educação infantil precisam levar de 100 a 500 (!) folhas de papel, fora os lápis coloridos, papéis e tintas dos mais variados tipos, colas, pastas, cadernos, agenda etc.
Alunos que frequentam o ensino fundamental e médio precisam levar agenda, cadernos espirais com cem folhas, calculadora e livros, muitos livros! Ah, se a relação entre quantidade de material e aprendizagem fosse direta! Mas não é o que tem ocorrido, como indicam as avaliações internacionais.
Como se não bastasse o exagero dos pedidos de muitas escolas, os pais adicionam outras coisas às listas: malas enormes, mochilas de marca, estojos com múltiplos compartimentos e lápis, canetas e borrachas suficientes para recheá-los.
Para ir à escola são necessários poucos acessórios: um lápis, uma caneta, uma borracha, um apontador, um caderno e os livros. Basta isso, já que não são tais objetos os responsáveis pelo bom aproveitamento do aluno. Aliás, quanto mais material, maior a distração e menor a disposição para a concentração e o esforço para aprender.
Bem, mas não é só em relação ao material escolar que os pais ensinam o mau uso do dinheiro aos filhos: é também no valor da mesada que dão, na compra de roupas, brinquedos e outras coisas que eles já têm -e em grande quantidade. Como as crianças aprendem principalmente observando os pais, seria bom que eles
fizessem mais do que colocar o filho em cursos de educação financeira. Rever os próprios hábitos de consumo e usar a mesada como estratégia educativa talvez sejam os recursos mais poderosos que os pais têm para dar uma boa educação financeira aos filhos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
rosely.sayao@grupofolha.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol. com.br
Museu de Valores
http://www.bcb.gov.br/?MUSEU
Dinheiro: modo de usar
[...] MAIOR REGULARIDADE DO QUE EU GOSTARIA, ME SURPREENDO COMPRANDO PEQUENAS INUTILIDADES DOMÉSTICAS
Educação financeira é um dos assuntos do momento entre os adultos que participam da educação dos mais novos. Pais e escolas querem que crianças e adolescentes tenham uma visão equilibrada do dinheiro e de seu uso. Tarefa difícil, principalmente quando lembramos que vivemos na era do consumo.
Para os adultos, já é difícil lidar com essa questão. Com maior regularidade do que eu gostaria, me surpreendo comprando pequenas inutilidades domésticas.
Com muito custo, consegui superar o gasto com as grandes inutilidades. Pessoas conhecidas gastam mais do que deveriam e contraem dívidas desnecessárias: carros maiores do que precisam, inovações tecnológicas que pouco facilitam a vida, roupas e acessórios caríssimos, entre outras coisas. E queremos ensinar o uso parcimonioso do dinheiro!
Corretíssimo que nosso anseio seja o de que eles nos superem e não repitam nossos defeitos -faz parte dos princípios de uma boa educação. Entretanto, poderíamos fazer mais do que tentar introduzir na escola -para citar um exemplo- a educação financeira.
Poderíamos começar reduzindo a lista de materiais que os pais compram para os filhos iniciarem animados o ano letivo. Dei uma rápida olhada em listas enviadas pelas escolas e conversei com algumas mães a respeito. Comecemos pelos pedidos das escolas.
Crianças que frequentam a educação infantil precisam levar de 100 a 500 (!) folhas de papel, fora os lápis coloridos, papéis e tintas dos mais variados tipos, colas, pastas, cadernos, agenda etc.
Alunos que frequentam o ensino fundamental e médio precisam levar agenda, cadernos espirais com cem folhas, calculadora e livros, muitos livros! Ah, se a relação entre quantidade de material e aprendizagem fosse direta! Mas não é o que tem ocorrido, como indicam as avaliações internacionais.
Como se não bastasse o exagero dos pedidos de muitas escolas, os pais adicionam outras coisas às listas: malas enormes, mochilas de marca, estojos com múltiplos compartimentos e lápis, canetas e borrachas suficientes para recheá-los.
Para ir à escola são necessários poucos acessórios: um lápis, uma caneta, uma borracha, um apontador, um caderno e os livros. Basta isso, já que não são tais objetos os responsáveis pelo bom aproveitamento do aluno. Aliás, quanto mais material, maior a distração e menor a disposição para a concentração e o esforço para aprender.
Bem, mas não é só em relação ao material escolar que os pais ensinam o mau uso do dinheiro aos filhos: é também no valor da mesada que dão, na compra de roupas, brinquedos e outras coisas que eles já têm -e em grande quantidade. Como as crianças aprendem principalmente observando os pais, seria bom que eles
fizessem mais do que colocar o filho em cursos de educação financeira. Rever os próprios hábitos de consumo e usar a mesada como estratégia educativa talvez sejam os recursos mais poderosos que os pais têm para dar uma boa educação financeira aos filhos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
rosely.sayao@grupofolha.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.
Museu de Valores
http://www.bcb.gov.br/?MUSEU
O projeto UCA será engatilhado - Laptops
Estudantes começam a receber 150 mil computadores portáteis
Distribuição de máquinas começa por Tiradentes (MG); investimento total foi de R$ 82 milhões
Começa nesta quinta-feira, 15, a distribuição do primeiro lote dos laptops educacionais do programa Um Computador por Aluno (UCA). Na primeira etapa serão distribuídas 33.765 máquinas para 85 escolas em 10 estados. Até o final do ano, o Ministério da Educação entregará 150 mil computadores portáteis para alunos de 300 escolas da rede pública de ensino.
A distribuição começa por Tiradentes (MG), um dos cinco municípios nos quais todas as escolas receberão o computador portátil. Serão beneficiadas seis escolas municipais e uma estadual que totalizam 1.172 alunos.
Distribuição de máquinas começa por Tiradentes (MG); investimento total foi de R$ 82 milhões
Começa nesta quinta-feira, 15, a distribuição do primeiro lote dos laptops educacionais do programa Um Computador por Aluno (UCA). Na primeira etapa serão distribuídas 33.765 máquinas para 85 escolas em 10 estados. Até o final do ano, o Ministério da Educação entregará 150 mil computadores portáteis para alunos de 300 escolas da rede pública de ensino.
A distribuição começa por Tiradentes (MG), um dos cinco municípios nos quais todas as escolas receberão o computador portátil. Serão beneficiadas seis escolas municipais e uma estadual que totalizam 1.172 alunos.
leia na íntegra
quinta-feira, 18 de março de 2010
Rosely Sayão: Proibição do clipe de Lady Gaga subestima jovens
da Folha Online
Após o lançamento do clipe "Telephone" de Lady Gaga e Beyoncé, a CNN divulgou que ele teria sido recusado por várias emissoras, inclusive a MTV americana. O clipe -- que tem mais de nove minutos de duração -- traz Gaga seminua em uma prisão e enrolada em correntes, em um dos trechos. Em uma semana o clipe já tem quase 20 milhões de exibições na internet.
Para a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, dizer que as imagens incitam à violência é subestimar a capacidade dos jovens de simbolizar que estão na frente de uma obra.
"Não creio que a proibição contribua para a melhoria da civilização", afirma Sayão neste podcast. "Este clipe não é nada diferente de muitos filmes que temos na televisão e anúncios em revista", diz a colunista.
Em seu site, a MTV Networks nega que vai censurar a mega produção da cantora.
Equipamentos e sites auxiliam no aprendizado de estudantes
Arte/Folha Imagem
Leia na íntegra a matéria de Alexandre Orrico para a Folha Online em http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u696456.shtml
Postagens anteriores relacionadas:
terça-feira, 16 de março de 2010
**Crianças *
*JOÃO PEREIRA COUTINHO
------------------------------
*Os brasileiros não gostaram desse fato: uma criança maldosa? A justiça também não*
------------------------------
O MELHOR do mundo são as crianças, disse Fernando Pessoa, que curiosamente não teve nenhuma. A frase do poeta não se aplica ao momento presente, vivido pelos seus compatriotas. Dois casos ilustram o ponto.
Primeiro caso: duas semanas atrás, um rapaz de 12 anos, do interior de Portugal, saiu de casa, aproximou-se das margens do rio. E saltou para a morte. Alguns amigos explicaram depois que a vida dele era um inferno nas mãos de outros colegas, que o torturavam na escola de todas as formas possíveis. O rapaz, cansado de apanhar, comunicou à tia que não aguentava mais. A tia, provavelmente, não ligou. Só os amigos assistiram ao suicídio.
Não conseguiram impedi-lo. O corpo ainda não foi resgatado. Nos dias seguintes, Portugal debateu as causas da violência escolar. Um termo elegante ("bullying") entrou no linguajar dos patrícios. E, é claro, exércitos de psicólogos foram enviados para a escola do rapaz com o nobre propósito de prestar assistência terapêutica aos agressores.
Você leu bem: aos agressores. Na minha rudeza primitiva, eu julgava que os agressores mereciam expulsão, ou coisa pior. No mundo moderno, merecem terapia. Na semana passada, os jornais lusitanos contaram outro caso recente: um professor de meia-idade que, atormentado pela selvajaria da turma, deixou uma mensagem escrita.
Ele, em depressão há dois anos, não aguentava mais os insultos e as ameaças dos alunos. Decidiu desistir. E desistiu. Saltou da ponte 25 de Abril, em Lisboa, e mergulhou nas águas do Tejo. Os dois casos são trágicos, mas não aconteceram por acaso: sucessivas reformas educativas em Portugal, ao destruírem a autoridade dos professores, apenas prepararam o terreno para que as escolas públicas do país se transformassem em faroestes grotescos, onde as crianças não conhecem lei. E não conhecem lei porque elas são o melhor do mundo. Ou não são?
Manoel Carlos, autor da novela "Viver a Vida", responde: nem sempre. Na história de Manoel Carlos, existe uma criança, Rafaela, interpretada pela atriz Klara Castanho, de 8 anos. Rafaela é um anjo, sim, mas um anjo
perverso. A vilã, no fundo, é capaz de atos reprováveis, inomináveis. Atos só possíveis em adultos. Melhor: em psicopatas adultos.
Os brasileiros não gostaram desse desconfortável fato: uma criança maldosa? O Ministério Público do Trabalho (MTP) do Rio notificou o autor para que alterasse a personagem. Agora, segundo leio na imprensa, o MTP teve nova audiência com o departamento jurídico da Globo e ainda poderá afastar a criança da novela. Exceto se o autor transformar Rafaela na versão infantil da Madre Teresa de Calcutá. Como explicar a insanidade?
As razões são duplas. Para começar, os especialistas do Ministério Público afirmam que a atriz mirim não tem capacidade para separar a realidade da ficção e isso pode ter consequências nefastas no seu desenvolvimento psíquico e social.
Hoje, a atriz tem 8 anos; mas amanhã, com 18, pode imitar os comportamentos desviantes que formaram a sua cabeça de menor. E, para acabar, os especialistas relembram uma possibilidade prática: a personagem Rafaela é tão odiosa que pode despertar hostilidade real do público, disposto a insultá-la ou agredi-la.
Evidentemente, nenhuma das razões esconde a explicação principal: os brasileiros não toleram a imagem de uma criança má porque Rousseau triunfou no espírito dos modernos.
Triunfou no Brasil, triunfou em Portugal, triunfou em qualquer parte do mundo onde a piedosa romantização da infância apresenta qualquer membro da espécie como o exemplo acabado da Pureza e do Bem (com maiúsculas). A Pureza e o Bem que, escusado será dizer, só a constituição da sociedade política acabou por corromper com seus arranjos violentos e hipócritas.
As crianças não podem ser más; maus são os adultos e o mundo de subjugação e poder que eles construíram para aprisionar os mais fracos. Quando muito, as crianças são vítimas; e mesmo quando precipitam as maiores tragédias, elas continuam sendo vítimas. Elas continuam a precisar de exércitos de psicólogos que as compreendam em suas dores profundas.
Acreditar no mito da bondade inata dos seres humanos pode descansar e consolar as nossas consciências progressistas: as consciências dos políticos portugueses ou dos juristas brasileiros. Infelizmente, não descansa nem consola os dois corpos que jazem mortos no fundo dos rios.
*jpcoutinho@folha.com.br*
Fonte: *Folha de S.Paulo*, 16 mar. 2010.
------------------------------
*Os brasileiros não gostaram desse fato: uma criança maldosa? A justiça também não*
------------------------------
O MELHOR do mundo são as crianças, disse Fernando Pessoa, que curiosamente não teve nenhuma. A frase do poeta não se aplica ao momento presente, vivido pelos seus compatriotas. Dois casos ilustram o ponto.
Primeiro caso: duas semanas atrás, um rapaz de 12 anos, do interior de Portugal, saiu de casa, aproximou-se das margens do rio. E saltou para a morte. Alguns amigos explicaram depois que a vida dele era um inferno nas mãos de outros colegas, que o torturavam na escola de todas as formas possíveis. O rapaz, cansado de apanhar, comunicou à tia que não aguentava mais. A tia, provavelmente, não ligou. Só os amigos assistiram ao suicídio.
Não conseguiram impedi-lo. O corpo ainda não foi resgatado. Nos dias seguintes, Portugal debateu as causas da violência escolar. Um termo elegante ("bullying") entrou no linguajar dos patrícios. E, é claro, exércitos de psicólogos foram enviados para a escola do rapaz com o nobre propósito de prestar assistência terapêutica aos agressores.
Você leu bem: aos agressores. Na minha rudeza primitiva, eu julgava que os agressores mereciam expulsão, ou coisa pior. No mundo moderno, merecem terapia. Na semana passada, os jornais lusitanos contaram outro caso recente: um professor de meia-idade que, atormentado pela selvajaria da turma, deixou uma mensagem escrita.
Ele, em depressão há dois anos, não aguentava mais os insultos e as ameaças dos alunos. Decidiu desistir. E desistiu. Saltou da ponte 25 de Abril, em Lisboa, e mergulhou nas águas do Tejo. Os dois casos são trágicos, mas não aconteceram por acaso: sucessivas reformas educativas em Portugal, ao destruírem a autoridade dos professores, apenas prepararam o terreno para que as escolas públicas do país se transformassem em faroestes grotescos, onde as crianças não conhecem lei. E não conhecem lei porque elas são o melhor do mundo. Ou não são?
Manoel Carlos, autor da novela "Viver a Vida", responde: nem sempre. Na história de Manoel Carlos, existe uma criança, Rafaela, interpretada pela atriz Klara Castanho, de 8 anos. Rafaela é um anjo, sim, mas um anjo
perverso. A vilã, no fundo, é capaz de atos reprováveis, inomináveis. Atos só possíveis em adultos. Melhor: em psicopatas adultos.
Os brasileiros não gostaram desse desconfortável fato: uma criança maldosa? O Ministério Público do Trabalho (MTP) do Rio notificou o autor para que alterasse a personagem. Agora, segundo leio na imprensa, o MTP teve nova audiência com o departamento jurídico da Globo e ainda poderá afastar a criança da novela. Exceto se o autor transformar Rafaela na versão infantil da Madre Teresa de Calcutá. Como explicar a insanidade?
As razões são duplas. Para começar, os especialistas do Ministério Público afirmam que a atriz mirim não tem capacidade para separar a realidade da ficção e isso pode ter consequências nefastas no seu desenvolvimento psíquico e social.
Hoje, a atriz tem 8 anos; mas amanhã, com 18, pode imitar os comportamentos desviantes que formaram a sua cabeça de menor. E, para acabar, os especialistas relembram uma possibilidade prática: a personagem Rafaela é tão odiosa que pode despertar hostilidade real do público, disposto a insultá-la ou agredi-la.
Evidentemente, nenhuma das razões esconde a explicação principal: os brasileiros não toleram a imagem de uma criança má porque Rousseau triunfou no espírito dos modernos.
Triunfou no Brasil, triunfou em Portugal, triunfou em qualquer parte do mundo onde a piedosa romantização da infância apresenta qualquer membro da espécie como o exemplo acabado da Pureza e do Bem (com maiúsculas). A Pureza e o Bem que, escusado será dizer, só a constituição da sociedade política acabou por corromper com seus arranjos violentos e hipócritas.
As crianças não podem ser más; maus são os adultos e o mundo de subjugação e poder que eles construíram para aprisionar os mais fracos. Quando muito, as crianças são vítimas; e mesmo quando precipitam as maiores tragédias, elas continuam sendo vítimas. Elas continuam a precisar de exércitos de psicólogos que as compreendam em suas dores profundas.
Acreditar no mito da bondade inata dos seres humanos pode descansar e consolar as nossas consciências progressistas: as consciências dos políticos portugueses ou dos juristas brasileiros. Infelizmente, não descansa nem consola os dois corpos que jazem mortos no fundo dos rios.
*jpcoutinho@folha.com.br*
Fonte: *Folha de S.Paulo*, 16 mar. 2010.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Língua ou gramática, eis a questão
Sírio Possenti
De Campinas (SP)
De Campinas (SP)
Uma passagem de uma coluna do professor Pasquale (Folha de S.Paulo, 08/01/2009, p. C2) fornece o pretexto para explicitar aspectos de uma questão que quase sempre são inadequadamente misturados. Começa citando um poema de Bandeira, que foi musicado por Dorival Caymmi e do qual se tratou em prova da Fuvest: “O rei atirou / sua filha ao mar / e disse às sereias: / - Ide-a lá buscar”.
A propósito das questões formuladas (uma perguntava pelo efeito expressivo de “ide” e outra mandava substituir a segunda pessoa do plural pela terceira), mas depois da segunda, que talvez até seja mais fácil que a primeira, faz o seguinte comentário: “Agora o bicho pega de vez, ao menos para quem teve o azar de estudar com “professores” que julgam que nas aulas de português só se deve falar da língua viva, da língua de hoje”.
Há vários aspectos nesta passagem que merecem comentários. As aspas em “professores” (que poderiam estar também em “professor” Pasquale, querendo), o comentário “agora o bicho pega de vez”, curiosamente depois da segunda questão, que supõe conhecimento de língua de hoje, a viva, mas, especialmente, a “mistura” implícita entre aulas de português e aulas de gramática.
Como disse, as questões da prova mandam discorrer sobre o efeito expressivo da forma “ide” e, depois, substituir esta forma pela terceira do plural - “vão”. O professor Pasquale supõe - ou permite que se suponha - que as respostas podem ser dadas com base no estudo das formas gramaticais da língua mais “antiga” e que alunos que só tivessem estudado a língua viva se sairiam mal na prova.
Ora, nada garante que quem estudou as formas antigas - a conjugação verbal como está nas gramáticas - se dê conta do efeito expressivo de uma forma mais ou menos antiga (”ide”). Muitos estudantes que têm o azar de ter “professores” que não falam do português de hoje ficam mudos diante de perguntas como essa, porque esses professores dificilmente falam de efeitos expressivos…
Mas a questão não é bem essa. A principal é a tese implícita da coluna: “estudar” formas antigas permite compreender seus efeitos. Ora, isso não é obvio. O que importa é distinguir duas coisas: estudar gramática do português e estudar português. Em tese, é perfeitamente possível estudar gramática (fazer gramática, aprender como se faz gramática) sem estudar português, no sentido de saber explicitar a relação entre o emprego de uma forma e seus efeitos de sentido.
Estudar (fazer?) gramática na escola, no que se refere a um item próximo do que está em questão, uma conjugação verbal, seria mostrar, com base em dados, que, considerados diversos contextos e épocas, as formas verbais se distribuem mais ou menos assim:
Na primeira coluna estão as formas verbais das quais se pode dizer, um pouco simplificadamente, que são mais típicas da escrita culta e de épocas mais antigas (um dos efeitos do emprego de algumas dessas formas, especialmente de “ides”, é de “arcaísmo” ou de “solenidade”). A coluna mostra que há, nessa variedade da língua portuguesa, seis formas verbais, uma para cada “pessoa”.
Na segunda coluna estão as formas associadas, também um pouco esquematicamente, à fala culta atual. As formas são, como se pode ver, três ou quatro, e não seis. Na escrita, “a gente vai” ocorre bem menos vezes do que “nós vamos”. Mas na fala é o contrário que se dá. Para convencer-se disso, basta ouvir conversas de bar, mesas redondas, entrevistas, declarações no rádio ou na TV. Sim, de gente culta.
Na terceira, estão representadas as formas verbais menos cultas, mais “rurais”, talvez caipiras, em sentido técnico (e que se ouvem em algumas conversas, mas, especialmente, naquelas em que se representa a fala do caipira, do homem do campo - basta ver certos quadros de humor). Nesta gramática há somente duas formas verbais (parece inglês…).
Fazer gramática assim é estudar aspectos da língua como se faz, digamos, em botânica ou anatomia. Constata-se que as plantas e os tecidos são os que são e que são como são, independentemente de gosto, predileção ou nojo. Tripas são tripas…, mesmo se chamadas de intestinos. Sofisticando um pouco, constata-se (e explica-se) o que ocorreu e o que está ocorrendo. Por exemplo, podem-se explicar aparentes “misturas” como “a gente vamos”, forma que se ouve bastante e que se encontra também nos clássicos: “a gente” é uma expressão que se refere ao falante e a outra pessoa, exatamente como “nós”; daí a forma verbal tipicamente associada a esse pronome.
Os efeitos que decorrem de empregar tais formas têm mais a ver com “estilo” do que propriamente com gramática, embora, é claro, as questões se superponham em mais de um sentido. E não explicitam nada disso. Ficam esperando as provas da Fuvest ou da Unicamp para mostrar … aquilo que gostariam de ter feito.
Voltando ao tema: não imagino que haja algum professor, com aspas ou sem aspas, que ensine na aula as formas verbais da terceira coluna, ou mesmo da segunda. Mas existem professores que papagueiam as formas da primeira como se elas fossem empregadas correntemente e como se os efeitos de seu emprego fossem óbvios.
Como é que os alunos desses “professores” podem se dar conta, por exemplo, do efeito do emprego de formas como “hei de ser” (Flamengo sempre eu hei de ser…), se não estudam essa forma verbal do futuro, mais antiga do que “serei”?
Aqui, a meu ver, está a questão fundamental, quando se trata de ensino: há uma certa divisão de tarefas - e de métodos - entre o estudo de gramática (os objetivos desse tipo de estudo deveriam ser claros, aliás) e a prática, que envolve várias questões, de ler textos adequada ou sofisticadamente.
Por exemplo: ler Camões não supõe necessariamente estudar explicitamente a gramática do português camoniano (com suas passivas características como “o mar que dos feos focas se navega”, por exemplo), mas supõe saber comentar minimamente tais estruturas, e, especialmente, ser capaz de fazer delas paráfrases adequadas.
Ler Guimarães Rosa não supõe a construção de uma gramática do “rosês”, mas sim a capacidade de verificar em que medida as formas dessa interlíngua produzem os efeitos que produzem. E de explicar a peculiaridade dessa obra exatamente pela relação entre tema, ambientação e linguagem - que não é uniforme, aliás. Basta ver as diversas falas no julgamento de Zé Bebelo (como mostrou Willi Bolle em grandesertão.br)
As relações entre gramática e leitura / escrita são análogas às que existem entre botânica e paisagismo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como dizia o filósofo popular. Bons botânicos não são, em geral, bons paisagistas, nem paisagistas são necessariamente bons botânicos.
Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Lingüística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua e de Os limites do discurso.
Retirado de:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3447701-EI8425,00-Lingua+ou+gramatica+eis+a+questao.html
Educação dos filhos
Acerta a Justiça de Timóteo (MG) ao condenar casal que tirou filhos da escola para educá-los em casa?
Jornal Folha de S.Paulo, 13/03/10
SIM
A saída não é o isolamento
RUDÁ RICCIO
CASO recente em que a Justiça de Timóteo (MG) condenou pais que retiraram seus dois filhos adolescentes da escola para ensinar-lhes em casa, prática que nos EUA é conhecida como "homeschooling", abre um importante debate sobre o papel da educação brasileira ("Juiz condena pais por educar filhos em casa", Cotidiano, 6/3).
O juiz apoiou-se no artigo 55 do Estatuto da Criança e Adolescente, que obriga pais a matricular seus filhos na escola. Mas a questão não se atém à interpretação da lei. Ela é mais complexa e merece maior reflexão. Destaco quatro pontos que merecem maior aprofundamento:
1) Nossa cultura privilegia a responsabilidade da comunidade. É o oposto da cultura anglo-saxônica, que imputa ao indivíduo em qualquer idade a responsabilidade e a punição de seus atos julgados improcedentes. Em países latinos como o nosso, compreende-se que os adultos e a comunidade são responsáveis pela passagem da criança à vida adulta. Daí que um ato infracional de uma criança é depositado como responsabilidade de seus pais ou responsáveis. No caso dos adolescentes, a situação é mais complexa: considera-se que são responsáveis por seus atos, mas não imputáveis, justamente porque ainda transitam para a vida adulta. As medidas socioeducativas são ações de reeducação e socialização.
2) Esse desconhecimento atinge mais fortemente a classe média brasileira. Estudo recente de Amaury de Souza e Bolívar Lamounier apresenta um quadro estarrecedor, em que a família aparece como o mais importante agrupamento social confiável (para 85% dos pesquisados), superando em muito o segundo, de amigos (confiável para apenas 43%). A participação em organizações sociais é praticamente desconsiderada. Esse é um elemento cultural que compõe a "ideologia da intimidade", em que se desconsidera a solidariedade societária, as instituições e os espaços públicos. O caso de Timóteo reforça, na prática, a resolução de problemas com as políticas públicas pela própria família. No limite, estaríamos nos desgarrando socialmente, esgarçando a sociedade em ações individualistas.
3) Há outros exemplos que poderiam ter gerado inspiração nos pais no caso de Timóteo e que também são originários dos EUA, como é o caso da Charter School, escolas administradas por pais que são avaliadas periodicamente pelo Estado e até mesmo recebem subvenção pública. Mas essa opção não faz parte da cultura da classe média brasileira porque ela desconfia de tudo o que não é família.
4) O mais grave, contudo, é a banalização da educação como prática ao alcance de não profissionais. Tão grave quanto a situação da educação pública é a saúde e a segurança públicas. Mas não houve nenhum movimento de cidadãos para operar os filhos em suas próprias residências ou para perseguir bandidos com armas privadas. O que faz uma família acreditar que sabe educar seus filhos em suas casas, desconsiderando a formação de tantos profissionais da área, sem que tenham habilitação, estudo e experiência? Por que não criamos uma articulação de pais para lutar pela melhoria da educação? Por que não se pensa o futuro dos outros filhos, dos brasileiros desconhecidos por nós?
A educação é um ato solidário e de socialização. Autores reconhecidos, como Lev Vygotsky, comprovaram o quanto estímulos de turmas heterogêneas criam situações de desenvolvimento de muitas áreas da inteligência humana, além de desenvolver a tolerância diante do diferente. A educação restrita ao seu próprio lar é pobre e meramente instrumental.Vivemos um período de banalização de tudo o que é público. Não percebemos o efeito bumerangue, que nos atinge em cheio, assim como atinge o futuro de nossos filhos. A saída isolada, de mero benefício aos membros de nossa família, a redução da educação ao sucesso individual é uma triste declaração de falência de nossa sociedade, da esperança de viver juntos, entre diferentes que se respeitam e que constroem soluções coletivas.Talvez esses pais de Timóteo não merecessem punição em virtude de sua boa vontade e intenção. Mas eles erraram e não podem ser exemplo para nenhuma criança ou adolescente.
RUDÁ RICCI, 47, doutor em ciências sociais, é consultor educacional do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo).
NÃO
Pela liberdade de educar
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA
NÃO HÁ espaço suficiente aqui para abordar os vários aspectos da decisão judicial que condenou Cleber Andrade Nunes. É perfeitamente possível, entretanto, argumentar a favor dos pais.
Tomemos dois pontos presentes nos discursos daqueles que, ao lado da autoridade judicial, condenam os pais: os alegados prejuízos à socialização das crianças e o laxismo fatalista que acompanha o reconhecimento do nível catastrófico da qualidade da instituição escolar em nosso país.
Quanto à questão da socialização, note-se que no Brasil não há pesquisa longitudinal, internacionalmente reconhecida, sobre os impactos dos cuidados infantis na trajetória de desenvolvimento socioemocional e cognitivo das crianças e no comportamento juvenil. Enquanto isso, evidências oriundas de pesquisas longitudinais, cujos resultados são publicados em revistas líderes mundiais em fator de impacto no campo, negam suporte às teses defendidas pela maioria dos experts brasileiros nesse tema.Por outro lado, em países como França, Inglaterra e EUA, em que essa modalidade de educação não é interditada, ainda que seja regulada, não consta que haja epidemia de sociopatia entre as crianças cujos pais a praticam. Nos EUA, por exemplo, o Departamento de Educação diz que 1.508.000 crianças e adolescentes estudavam sob alguma modalidade de educação domiciliar em 2007.
Os que querem anular o direito dos pais de escolher o tipo de educação dada aos filhos negligenciam o fato de que a experiência escolar é hoje, muita vezes, ocasião de sofrimento, pois escolas e educadores são cada vez mais despojados dos instrumentos de mediação e controle dos conflitos. Ou de contenção de ações antissociais.
Eles se preocupam com a proteção dos "direitos da criança" contra o autoritarismo e a unilateralidade da visão de mundo dos pais. Mas as crianças precisam de mais proteção contra o grupo de iguais do que contra os pais, lembra Hannah Arendt.
O autoritarismo do grupo de iguais é muito mais cruel, implacável e devastador por um ser em processo de formação de personalidade. Hoje, na escola, crianças que não se enquadram no padrão médio são impiedosamente desdenhadas pelo grupo. E são cada vez mais numerosos os casos em que do desdém, e mesmo da troça, passa-se à agressão física.
Quanto à qualidade da instrução, a tolerância nacional diante do fracasso escolar tem crescido. Dados do MEC mostram que a probabilidade de uma criança brasileira encerrar os anos iniciais do ensino fundamental com desempenho em língua portuguesa e matemática abaixo do mínimo esperado é altíssima.
A lassidão ante o baixo padrão não se limita à instrução. Há o aspecto da formação. Nem aos leigos escapa a percepção da crise da autoridade na escola. Qualquer pessoa que encare o problema de perspectiva real e prática, despida dos cacoetes emancipacionistas impostos pelas abordagens teóricas hegemônicas no pensamento pedagógico dos últimos 30 anos, sabe das dificuldades para o exercício de atividade educativa nas escolas.
Professores são reféns de caprichos infanto-juvenis incontroláveis. A pedagogia "mainstream" ergueu um altar à espontaneidade criadora das crianças e jovens. As famílias entregaram-nas a babás, a creches ou ao trio DVD, videogame, computador.
Quando tudo sai de controle, apela-se a saídas extremas: decreta-se toque de recolher para adolescentes, como se fez recentemente em cidades do interior paulista.
Nessas condições, qual a capacidade instrucional e formativa da educação escolar? Não postulo a desescolarização. Afirmo, porém, em alto e bom som: os pais têm direito a escolher a educação que seus filhos receberão. A família Andrade Nunes foi apenada por não permanecer prostrada ante os prejuízos instrucionais e morais que a educação escolar poderia impor a seus filhos. Assumiu riscos. Agiu. E os resultados mostram que foi bem-sucedida. Merece apoio. Não recriminação.
O juiz apoiou-se no artigo 55 do Estatuto da Criança e Adolescente, que obriga pais a matricular seus filhos na escola. Mas a questão não se atém à interpretação da lei. Ela é mais complexa e merece maior reflexão. Destaco quatro pontos que merecem maior aprofundamento:
1) Nossa cultura privilegia a responsabilidade da comunidade. É o oposto da cultura anglo-saxônica, que imputa ao indivíduo em qualquer idade a responsabilidade e a punição de seus atos julgados improcedentes. Em países latinos como o nosso, compreende-se que os adultos e a comunidade são responsáveis pela passagem da criança à vida adulta. Daí que um ato infracional de uma criança é depositado como responsabilidade de seus pais ou responsáveis. No caso dos adolescentes, a situação é mais complexa: considera-se que são responsáveis por seus atos, mas não imputáveis, justamente porque ainda transitam para a vida adulta. As medidas socioeducativas são ações de reeducação e socialização.
2) Esse desconhecimento atinge mais fortemente a classe média brasileira. Estudo recente de Amaury de Souza e Bolívar Lamounier apresenta um quadro estarrecedor, em que a família aparece como o mais importante agrupamento social confiável (para 85% dos pesquisados), superando em muito o segundo, de amigos (confiável para apenas 43%). A participação em organizações sociais é praticamente desconsiderada. Esse é um elemento cultural que compõe a "ideologia da intimidade", em que se desconsidera a solidariedade societária, as instituições e os espaços públicos. O caso de Timóteo reforça, na prática, a resolução de problemas com as políticas públicas pela própria família. No limite, estaríamos nos desgarrando socialmente, esgarçando a sociedade em ações individualistas.
3) Há outros exemplos que poderiam ter gerado inspiração nos pais no caso de Timóteo e que também são originários dos EUA, como é o caso da Charter School, escolas administradas por pais que são avaliadas periodicamente pelo Estado e até mesmo recebem subvenção pública. Mas essa opção não faz parte da cultura da classe média brasileira porque ela desconfia de tudo o que não é família.
4) O mais grave, contudo, é a banalização da educação como prática ao alcance de não profissionais. Tão grave quanto a situação da educação pública é a saúde e a segurança públicas. Mas não houve nenhum movimento de cidadãos para operar os filhos em suas próprias residências ou para perseguir bandidos com armas privadas. O que faz uma família acreditar que sabe educar seus filhos em suas casas, desconsiderando a formação de tantos profissionais da área, sem que tenham habilitação, estudo e experiência? Por que não criamos uma articulação de pais para lutar pela melhoria da educação? Por que não se pensa o futuro dos outros filhos, dos brasileiros desconhecidos por nós?
A educação é um ato solidário e de socialização. Autores reconhecidos, como Lev Vygotsky, comprovaram o quanto estímulos de turmas heterogêneas criam situações de desenvolvimento de muitas áreas da inteligência humana, além de desenvolver a tolerância diante do diferente. A educação restrita ao seu próprio lar é pobre e meramente instrumental.Vivemos um período de banalização de tudo o que é público. Não percebemos o efeito bumerangue, que nos atinge em cheio, assim como atinge o futuro de nossos filhos. A saída isolada, de mero benefício aos membros de nossa família, a redução da educação ao sucesso individual é uma triste declaração de falência de nossa sociedade, da esperança de viver juntos, entre diferentes que se respeitam e que constroem soluções coletivas.Talvez esses pais de Timóteo não merecessem punição em virtude de sua boa vontade e intenção. Mas eles erraram e não podem ser exemplo para nenhuma criança ou adolescente.
RUDÁ RICCI, 47, doutor em ciências sociais, é consultor educacional do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo).
NÃO
Pela liberdade de educar
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA
NÃO HÁ espaço suficiente aqui para abordar os vários aspectos da decisão judicial que condenou Cleber Andrade Nunes. É perfeitamente possível, entretanto, argumentar a favor dos pais.
Tomemos dois pontos presentes nos discursos daqueles que, ao lado da autoridade judicial, condenam os pais: os alegados prejuízos à socialização das crianças e o laxismo fatalista que acompanha o reconhecimento do nível catastrófico da qualidade da instituição escolar em nosso país.
Quanto à questão da socialização, note-se que no Brasil não há pesquisa longitudinal, internacionalmente reconhecida, sobre os impactos dos cuidados infantis na trajetória de desenvolvimento socioemocional e cognitivo das crianças e no comportamento juvenil. Enquanto isso, evidências oriundas de pesquisas longitudinais, cujos resultados são publicados em revistas líderes mundiais em fator de impacto no campo, negam suporte às teses defendidas pela maioria dos experts brasileiros nesse tema.Por outro lado, em países como França, Inglaterra e EUA, em que essa modalidade de educação não é interditada, ainda que seja regulada, não consta que haja epidemia de sociopatia entre as crianças cujos pais a praticam. Nos EUA, por exemplo, o Departamento de Educação diz que 1.508.000 crianças e adolescentes estudavam sob alguma modalidade de educação domiciliar em 2007.
Os que querem anular o direito dos pais de escolher o tipo de educação dada aos filhos negligenciam o fato de que a experiência escolar é hoje, muita vezes, ocasião de sofrimento, pois escolas e educadores são cada vez mais despojados dos instrumentos de mediação e controle dos conflitos. Ou de contenção de ações antissociais.
Eles se preocupam com a proteção dos "direitos da criança" contra o autoritarismo e a unilateralidade da visão de mundo dos pais. Mas as crianças precisam de mais proteção contra o grupo de iguais do que contra os pais, lembra Hannah Arendt.
O autoritarismo do grupo de iguais é muito mais cruel, implacável e devastador por um ser em processo de formação de personalidade. Hoje, na escola, crianças que não se enquadram no padrão médio são impiedosamente desdenhadas pelo grupo. E são cada vez mais numerosos os casos em que do desdém, e mesmo da troça, passa-se à agressão física.
Quanto à qualidade da instrução, a tolerância nacional diante do fracasso escolar tem crescido. Dados do MEC mostram que a probabilidade de uma criança brasileira encerrar os anos iniciais do ensino fundamental com desempenho em língua portuguesa e matemática abaixo do mínimo esperado é altíssima.
A lassidão ante o baixo padrão não se limita à instrução. Há o aspecto da formação. Nem aos leigos escapa a percepção da crise da autoridade na escola. Qualquer pessoa que encare o problema de perspectiva real e prática, despida dos cacoetes emancipacionistas impostos pelas abordagens teóricas hegemônicas no pensamento pedagógico dos últimos 30 anos, sabe das dificuldades para o exercício de atividade educativa nas escolas.
Professores são reféns de caprichos infanto-juvenis incontroláveis. A pedagogia "mainstream" ergueu um altar à espontaneidade criadora das crianças e jovens. As famílias entregaram-nas a babás, a creches ou ao trio DVD, videogame, computador.
Quando tudo sai de controle, apela-se a saídas extremas: decreta-se toque de recolher para adolescentes, como se fez recentemente em cidades do interior paulista.
Nessas condições, qual a capacidade instrucional e formativa da educação escolar? Não postulo a desescolarização. Afirmo, porém, em alto e bom som: os pais têm direito a escolher a educação que seus filhos receberão. A família Andrade Nunes foi apenada por não permanecer prostrada ante os prejuízos instrucionais e morais que a educação escolar poderia impor a seus filhos. Assumiu riscos. Agiu. E os resultados mostram que foi bem-sucedida. Merece apoio. Não recriminação.
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA, 53, mestre em educação pela PUC-SP e doutor em educação pela Unicamp, é professor adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá (PR) e educa seus dois filhos em casa desde 2006.
Educadores contam como aprenderam com seus erros
Professores têm a competência de verificar habilidades, testar a compreensão de conteúdos e ajudar cada estudante a reconhecer (e superar) os erros. Mas e quando o equívoco vem deles próprios? Fingir que nada ocorreu não é a melhor saída. Ao contrário: se ficar evidente que alguma atividade não deu certo em razão de uma falha pessoal, a autocrítica é fundamental para melhorar a atuação profissional.
Lino de Macedo: "Eu falava demais e escutava pouco."
(Foto: Paulo Vitale)
O ideal é que essa reflexão seja vivenciada de forma madura, sem culpa ou rigor excessivos (afastando o risco de mergulhar no perfeccionismo, que paralisa a ação) e complacência extremada (resvalando na atitude de quem a todo instante diz "tudo bem, deixa para lá"). Medo ou vergonha são outros sentimentos que não cabem nessa hora. Afinal - não machuca repetir essa obviedade -, todo mundo erra. Mesmo grandes autoridades em Educação, profissionais respeitados que ocupam cargos centrais no governo, pesquisadores de Universidades influentes, formadores de professores e autores de livros que inspiram algumas de nossas melhores aulas.
Regina Scarpa: "Eu negava o papel do professor."
(Foto: Paulo Vitale)
(Foto: Paulo Vitale)
Nesta reportagem, quatro grandes mestres - Lino de Macedo, Regina Scarpa, Maria do Pilar e Mário Sérgio Cortella - discutem os equívocos na atuação profissional de uma maneira bastante peculiar: contando as próprias experiências. Alguns tropeços podem parecer familiares: falar demais e alongar a parte expositiva, despejar conteúdo sem levar em conta o ritmo dos jovens e seu universo cultural, desconsiderar as necessidades de alunos com deficiência e negar o próprio papel ao levar em conta somente os interesses das crianças.
Maria do Pilar Lacerda: "Eu não fazia a inclusão de verdade."
(Foto: Anderson Schneider)
(Foto: Anderson Schneider)
A lista de falhas é diversa, mas a postura para avançar é a mesma: analisar o que falhou, por que e como isso ocorreu. Muitas vezes, basta o distanciamento temporal do deslize para percebê-lo. Em outras ocasiões, são as conversas com os colegas que nos trazem o alerta e, em muitos casos, o estudo e a leitura são importantes aliados para a reflexão.
Mário Sérgio Cortella: "Eu não soube apresentar o conteúdo para os jovens."
(Foto: Paulo Vitale)
(Foto: Paulo Vitale)
"Todos nós erramos algumas vezes, ou seja, pensamos ou agimos de um modo que um dia terá, talvez, que ser revisto", afirma Lino de Macedo. Essa revisão de ideias, pensamentos e ações exige uma visão relativista do erro - isso significa ter em mente que o que não funciona em uma determinada classe, num determinado momento, pode muitas vezes dar certo em outro contexto. Confira o relato de cada um. Com a coragem de apontar seus próprios equívocos, eles nos indicam caminhos para superar nossos desafios.
Leia na íntegra a matéria de Ivan Paganotti para a Nova Escola deste mês em http://revistaescola.abril.uol.com.br/formacao/formacao-continuada/educadores-contam- como-aprenderam-com-seus-erros-equivocos-formacao-reflexao-538888.shtml?page=0 Postagens anteriores relacionadas:
- Revista recém-lançada: "Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores”
- "Pomos da discórdia em Educação: manejar conhecimento e aprendizagem", artigo de Pedro Demo
- Para Gardner, autor da Teoria das Inteligências Múltiplas, no século 21 a ética vai valer mais que o conhecimento
Para Gardner, autor da Teoria das Inteligências Múltiplas, no século 21 a ética vai valer mais que o conhecimento
Howard Gardner, que se dedica a estudar a forma como o pensamento se organiza, balançou as bases da Educação ao defender, em 1984, que a inteligência não pode ser medida só pelo raciocínio lógico-matemático, geralmente o mais valorizado na escola. Segundo o psicólogo norte-americano, havia outros tipos de inteligência: musical, espacial, linguística, interpessoal, intrapessoal, corporal, naturalista e existencial. A Teoria das Inteligências Múltiplas atraiu a atenção dos professores, o que fez com que ele se aproximasse mais do mundo educacional.
Hoje, Gardner tem um novo foco de pensamento, organizado no que chama de cinco mentes para o futuro, em que a ética se destaca. "Não basta ao homem ser inteligente. Mais do que tudo, é preciso ter caráter", diz, citando o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882). E emenda: "O planeta não vai ser salvo por quem tira notas altas nas provas, mas por aqueles que se importam com ele".
Leia na íntegra a entrevista de Howard Gardner para a Nova Escola em http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/dificil-fazer-certo-se-isso-contraria-nossos-interesses-502609.shtml
Leia na íntegra a entrevista de Howard Gardner para a Nova Escola em http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/dificil-fazer-certo-se-isso-contraria-nossos-interesses-502609.shtml
Assinar:
Postagens (Atom)